quarta-feira


Ruth: altivez decorosa

por Reinaldo Azevedo,

Morre uma parte da civilidade, da inteligência, do rigor intelectual, da discrição, da altivez decorosa. Ruth Cardoso foi uma das melhores pessoas que conheci — escrevo isso como jornalista, não como amigo ou pessoa que privasse da intimidade do casal Cardoso, o que nunca aconteceu. Em junho de 1997, há exatos 11 anos, a revista República dedicou-lhe uma capa: era uma entrevista que eu havia feito com ela.

Foi um encontro agradável, ameno, sereno. Seu marido, o então presidente Fernando Henrique, ela própria e o Comunidade Solidária, programa que presidia e ao qual continuou a dedicar boa parte de seu tempo mesmo depois que FHC deixou o poder (aí com o nome de Comunitas), eram alvos dos ataques da esquerda petista os mais boçais. Tentei arrancar dela uma palavra mais dura contra os detratores. Nada! Imperturbável, serena, expressava a convicção de que o presidente estava criando as bases para tirar o país do atoleiro do Terceiro Mundo e do terceiro-mundismo e defendia com energia o aspecto não-assistencialista do Comunidade Solidária. E estava certa nos dois casos. Ruth sabia ser dura sem ser estridente.


Nada a irritava mais — e ela se encarregou de proibir tal tratamento — do que ser chamada de “primeira-dama”. Por que não? Ela me explicou: “
Porque é uma tradução muito literal, imediata, do termo em inglês, que tem história. Não passaria pela cabeça de ninguém, nos EUA, dizer que não gosta da expressão first lady. Aqui no Brasil, dama não é um termo que se use...” E foi adiante, explicando que a expressão, em nosso país, designava um outro tipo de mulher. Segundo Ruth, a mulher de presidentes e chefes de governo, na modernidade, “são profissionais, pessoas que têm independência intelectual e pessoal”.

Pois é...

Ruth tinha, sim, tal independência intelectual e pessoal, como sabem todos aqueles que privaram da intimidade do casal Cardoso: diante do presidente, do marido, do PSDB... Não era do tipo que condescendesse com o interlocutor para ser agradável. De uma educação sempre exemplar, sabia discordar e dizer “não”, quando necessário, sem ambigüidades.


Não faz três meses, os tontons-maCUTs que tomaram a política de assalto tentaram enredá-la numa acusação de uso irregular do dinheiro público. Quando ficou claro que o governo havia feito um dossiê para tentar jogar na lama o seu nome e o do marido, tanto ela como FHC defenderam que se desse plena publicidade aos gastos. Dilma Rousseff, de quem falarei daqui a pouco, ligou para a sua casa para negar, vejam só, a existência do dossiê. E, no entanto, ele existia.


Era, em suma, a voz do avesso do que Ruth sempre foi: transparente, austera, de caráter reto, hostil a chicanas, sem jamais precisar desdizer no dia seguinte o que dissera no anterior. Ao telefone, Dilma tentou tranqüilizá-la à sua maneira: ela poderia ficar tranqüila, que os gastos continuariam sob sigilo. A interlocutora da ministra era gente de outra cepa. E ficou, é claro, bastante intranqüila com tão generosa promessa: afirmou à ministra que ela, Ruth, fazia questão de que tudo fosse divulgado. Porque nada havia a esconder. A mulher de FHC, em suma, não tinha segredos a serem guardados por Dilma.


Ruth tinha dois
stents no coração. Era uma paciente cardíaca, o que pouca gente sabia porque ela jamais permitiu qualquer zona de ambigüidade entre a vida privada e a sua atuação pública. Ainda que lhe faltassem muitas outras qualidades, tinha uma que faz uma falta imensa ao país: decoro. É isto: Ruth morreu, e o país ficou menos decoroso.

Um golpe imenso para o seu parceiro de 56 anos, Fernando Henrique Cardoso.

sexta-feira

Queima junina!!

sábado


"Nunca quis voltar para Cuba"


Cubano revela que, depois de fugir durante o Pan do Rio, foi obrigado a pedir para voltar a seu país.

Agora, está na Alemanha
"Democracia? Como assim?" O boxeador cubano ex-campeão mundial amador Erislandy Lara, de 25 anos, escapou de Havana e, na semana passada, conseguiu chegar à Alemanha, em uma viagem organizada e financiada por uma empresa de boxe, que o contratou.

Essa não foi a primeira vez que Lara tentou ir embora de Cuba. Em 21 de julho do ano passado, ele e Guillermo Rigondeaux (bicampeão olímpico e mundial) abandonaram a Vila Pan-Americana no Rio. Acabaram presos em Araruama (RJ) e entregues à Polícia Federal por estarem com o visto vencido e sem passaporte, segundo os policiais. Dois dias depois, foram deportados em um avião fretado pelo governo cubano para Havana.


Onze meses após a fracassada tentativa de desertar durante os Jogos Pan-Americanos do Rio, Lara conta em entrevista ao Estado como conseguiu fugir, como era sua vida desde o incidente no Rio e revela que, de fato, o objetivo no Pan-Americano era o de não retornar mais a Cuba. Mas pergunta: "Seria arriscado voltar ao Brasil?" Lara ainda deixa claro que sequer sabe o significado exato de democracia.

Eis os principais trechos da entrevista, dada por telefone de Hamburgo.


Como você se sente agora, em outro país?


Eu me sinto como se fosse uma nova pessoa. Estou bem e muito feliz.

Por que você decidiu deixar Cuba?


Porque simplesmente eu não podia mais ser boxeador. O governo me prometeu, quando voltei do Brasil, que me apoiaria, que me daria casa e eu poderia lutar. Eu queria ir a Pequim. Mas isso nunca ocorreu. Os dias foram passando e me diziam: "Espere, espere." Fiquei esperando e agora é tarde demais para pensar em ir à Olimpíada. Além disso, nada do que me prometeram foi cumprido. Disseram que me apoiariam. Mas, um ano depois, continuava sem nada, sem trabalho e sem lutar. Foi tudo uma mentira. O governo nos enganou desde o primeiro minuto.

E como você sobrevivia?

Alugava minha moto e cobrava por isso. Foi assim que sobrevivi por esses meses, com pouco dinheiro. Pensei que poderia voltar a lutar, como disse o governo. Mas isso nunca ocorreu desde os incidentes no Rio.

Você não tem medo de que algo ocorra com sua família?


Eles não podem fazer mais nada. Eu é que era o alvo e já estou fora. Agora, quero trazer minha mulher logo. Minha família me apoiou muito na decisão de deixar Cuba.

Como foi que conseguiu escapar?

Eu mesmo fiquei surpreendido. A empresa (Box Arena) me chamou e disse que tinha organizado tudo com uns cubanos. Fui de madrugada a uma praia nas proximidades de Havana. Não quero revelar o nome desse local porque sei que há outros cubanos que querem escapar por essa região e não seria bom que o governo soubesse. Temos de ajudar nossos irmãos. Temos de proteger esses cubanos. Uma lancha me buscou e viajamos por 12 horas até Cancún, no México. O tempo estava muito ruim e a viagem foi difícil, com tormentas enormes. Mas estava confiante de que conseguiria sair. Corremos um grande risco.

Quem foi que organizou tudo isso?

A empresa que me contratou na Alemanha, a Box Arena, de Hamburgo.


Quando você abandonou a Vila nos Jogos Pan-Americanos, disseram que vocês queriam voltar para Cuba e que tinham apenas se perdido. O que ocorreu de fato naquele momento?


Quando deixamos a Vila Pan-Americana, o objetivo era mesmo escapar de Cuba e não voltar mais para Havana. Não há dúvida sobre isso. Não queríamos voltar. Mas as circunstâncias não eram boas. Não tivemos nenhum apoio e, sem ninguém para contactar, fomos obrigados a pedir para voltar para Cuba. Não tínhamos outra alternativa. Estávamos sem dinheiro e nem sabíamos para onde ir. Não posso recriminar a polícia brasileira. Gostei muito do Brasil e já estou planejando ir de férias para o Rio de Janeiro entre agosto e setembro. Você acha que seria seguro ou arriscado para mim? Haveria algum problema?


Como você avalia a situação política de Cuba e da falta de democracia plena?


Democracia? Como assim?


Se existe ou não um regime democrático e se existe a possibilidade de o povo ter voz e voto nas decisões do país.


Ah, isso? Claro que não existe essa possibilidade. É o governo quem dita todas as regras. Tudo passa pelo governo. Não há liberdade. Eles são os que dizem o que podemos e o que não se pode fazer.


Você pensa um dia voltar para Cuba?


Não. Não volto mais.


E qual é seu plano de carreira no boxe?

Quero lutar por mais dez anos. Tenho apenas 25 anos e poderei ainda conquistar muitos títulos.

http://www.estadao.com.br/ em
14 de Junho de 2008

segunda-feira


Inflação em maio é o maior índice desde 2003

A inflação medida pelo IGP-DI (Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna) subiu para 1,88% em maio, contra 1,12% em abril, informou nesta segunda-feira a FGV (Fundação Getulio Vargas). A variação foi a maior já registrada desde janeiro de 2003, quando ficou em 2,17%, e bem acima do que esperava o mercado financeiro (1,70%). No ano, o índice acumula alta de 5,16% e, nos 12 meses até maio, alta de 12,14%.

A metodologia aplicada na apuração do IGP-DI é a mesma do IGP-M e do IGP-10 --usados no reajuste, por exemplo, de contratos de aluguel--, também apurados pela FGV, com a única diferença de ter um período de coleta diferente. O IGP-DI de maio foi calculado com base nos preços coletados entre os dias 1º e 31 do mês de referência.

O IPA (Índice de Preços por Atacado) subiu para 2,22%, contra 1,30% um mês antes. O índice relativo a Bens Finais ficou em 1,45% --em abril o índice havia registrado apenas variação positiva de 0,05%. A principal contribuição para a aceleração partiu do subgrupo alimentos in natura (de deflação de 7,58% para alta de 4,04%). Excluídos alimentos in natura e combustíveis, o índice subiu 1,28% (contra 0,84% um mês antes).

O índice do grupo Bens Intermediários subiu para 2,32% em maio, ante 1,88% em abril. O destaque veio do subgrupo materiais e componentes para a construção (de 0,56% para 3,86%). Excluídos combustíveis e lubrificantes para a produção, a alta foi de 1,88%, contra 1,91% no mês anterior.

No estágio das Matérias-Primas Brutas, houve alta de 2,96% em maio, contra 1,90% em abril. Os destaques foram soja em grão (-4,06% para 0,62%), mandioca (-6,53% para 0,73%) e milho em grão (-1,10% para 2,09%). Em sentido oposto, os destaques foram arroz em casca (27,78% para 15,98%), trigo em grão (9,62% para 0,78%) e leite in natura (5,93% para 3,72%).

O IPC (Índice de Preços ao Consumidor) subiu 0,87% em maio, contra 0,72% em abril. A maior contribuição veio do grupo Alimentação (de 1,69% para 2,33%), com destaque para hortaliças e legumes (5,48% para 10,20%), arroz e feijão (-3,47% para 4,57%), carnes bovinas (1,28% para 3,97%) e aves e ovos (-2,41% para 1,68%).

Também subiram os preços nos grupos Saúde e Cuidados Pessoais (0,64% para 0,81%) e Educação, Leitura e Recreação (0,07% para 0,34%), com destaque para artigos de higiene e cuidados pessoais (0,26% para 0,98%), serviços de cuidados pessoais (0,22% para 0,37%) e tarifa de passagem aérea (-1,81% para 7,25%).

Registraram decréscimos os preços nos grupos Habitação (0,22% para 0,18%), Vestuário (1,23% para 0,37%), Transportes (0,33% para 0,21%) e Despesas Diversas (0,19% para -0,08%), com destaque para material de limpeza (1,28% para 0,64%), roupas (1,84% para 0,95%), gasolina (0,78% para 0,12%) e mensalidade para TV por assinatura (0,01% para -1,23%). O núcleo do IPC subiu 0,44% em maio, contra 0,38% em abril.

Dos 87 itens componentes do índice, foram excluídos 39 para o cálculo do núcleo. Destes, 16 registraram variações acima de 1,47%, linha de corte superior, e 23 apresentaram taxas abaixo de -0,11%, linha de corte inferior. Em maio, o índice de dispersão, que mede a proporção de itens com taxa de variação positiva, foi de 64,69%, 3,29 ponto percentual acima do divulgado em abril, de 61,40%.

O INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) subiu 2,02% em maio, contra 0,87% um mês antes. O índice relativo a Materiais passou de alta de 0,92% em abril para 1,77% em maio. A taxa do grupo Serviços subiu de 0,57% para 0,77%. O grupo Mão-de-Obra avançou de 0,88% para 2,50%. A aceleração foi conseqüência de reajustes salariais por ocasião da data base nas cidades de Fortaleza, Brasília, Goiânia e São Paulo.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u410313.shtml

Bancos podem ser condenados a devolver tarifa por cheque de baixo valor

O Ministério Público Federal de São Paulo ajuizou ações civis públicas contra os dez maiores bancos do país para que eles sejam obrigados a devolver aos clientes a tarifa que cobravam sobre a compensação de cheques considerados de baixo valor. Em dezembro do ano passado, o Banco Central editou uma norma que proibiu a prática. O Ministério Público quer agora que os bancos devolvam o que foi cobrado antes dessa data. Nove dos dez bancos intimados (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco, Itaú, ABN Amro Real, Santander, Unibanco, HSBC e Safra) cobravam R$ 0,50 por cheque compensado abaixo de R$ 40. Na Nossa Caixa, a tarifa era cobrada a cada cheque abaixo de R$ 20. Segundo o procurador da República Luiz Fernando Gaspar Costa, que ajuizou as ações, a tarifa já era ilegal desde sua concepção, o que foi provado pelo fato do BC ter resolvido proibir a prática. A tarifa, avalia o procurador, não equivale a uma prestação de serviço. "Era apenas um meio que as instituições financeiras encontraram para desestimular o consumidor a utilizar o cheque em transações de baixo valor, com evidente interesse arrecadatório", disse. Costa já havia feito essa recomendação aos bancos no final de 2006, mas nenhum deles a acatou. Além da devolução dos valores cobrados dos clientes, o Ministério Público ainda pede que cada banco pague à União uma indenização equivalente ao dobro do que foi arrecadado com a tarifa.
Folha Online

quarta-feira

Caso Varig


Dilma e Teixeira não quiseram dar entrevista


Mariana Barbosa, Ricardo Grinbaum e Tania Monteiro

A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, não quis responder às declarações de Denise Abreu, ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), de que ela teria feito pressões junto à sua secretária-executiva, Erenice Guerra, para que a agência tomasse decisões favoráveis à venda da Varig Log e da Varig para o fundo americano Matlin Patterson e os três sócios brasileiros (Marco Antonio Audi, Marcos Haftel e Eduardo Gallo). A decisão da ministra foi repassada ao Estado por sua assessoria de imprensa. A assessoria foi informada também das acusações de que a ministra Dilma teria pressionado a agência a não exigir documentos para comprovar a origem do capital da empresa compradora nem a declaração de Imposto de Renda dos sócios brasileiros para verificar se eles tinham recursos para bancar a operação. Procurados e informados do conteúdo da reportagem, os advogados Roberto Teixeira, Valeska Teixeira e Cristiano Martins não quiseram dar entrevista. O ex-diretor presidente da Anac, Milton Zuanazzi, também foi procurado, mas não quis dar entrevista. Por meio de sua assessoria de imprensa, ele divulgou a seguinte nota: "Todas as decisões em sua gestão frente à Anac foram tomadas de forma transparente e democrática, pois foram aprovadas pelos membros da diretoria colegiada e acompanhadas por pareceres da Procuradoria Geral da Anac, órgão vinculado à Advocacia Geral da União, e divulgadas no site oficial da entidade."

Governo temia ser responsabilizado pela crise com a falência da Varig

A disputa pela Varig começou em 2005, quando a empresa entrou em processo de recuperação judicial. Com uma dívida de R$ 7 bilhões, a maior e mais antiga companhia aérea brasileira estava à beira da falência. A crise se agravou no primeiro semestre de 2006, com vôos sendo cancelados por falta de aviões. O ano era de eleições e Copa do Mundo. No governo, havia a convicção de que a única saída era a falência, desde que não fosse responsabilizado por ela. O governo queria evitar cenas de aeromoças chorando e torcedores dormindo sobre malas nos aeroportos. Mas as pressões vinham de todos os lados: enquanto trabalhadores, aposentados e políticos cobravam a intervenção do governo, empresas aéreas rivais torciam pela falência e brigavam pelo espólio. Com risco de parar de voar a qualquer momento, a Varig ganhou um anjo da guarda, o juiz Luiz Roberto Ayoub, da Vara Empresarial do Rio de Janeiro. Ayoub fez uma interpretação polêmica da Lei de Recuperação Judicial e separou a Varig em duas empresas. Uma delas era saudável, com as rotas, balcões e hangares nos aeroportos. A outra parte quase não tinha bens, carregava as dívidas da companhia, mas poderia receber uma indenização bilionária de um processo movido contra o governo federal por causa do congelamento das tarifas aéreas nos anos 80. A parte saudável da Varig foi levada a leilão em 8 de junho de 2006, por um preço mínimo de US$ 860 milhões. O único interessado foi a associação de trabalhadores TGV, que não tinha dinheiro. Mas o lance da TGV evitou a decretação da falência e serviu para a VarigLog ganhar tempo. Foi então que, com a ajuda do escritório Teixeira e Martins, a VarigLog conseguir aprovar sua nova estrutura societária na Anac. E foi no segundo leilão, em 20 de julho, desta vez com um preço mínimo de US$ 24 milhões, que a Variglog levou a Varig. Meses depois, novamente com a intermediação do advogado Teixeira, a VarigLog revendeu a Varig à Gol, por US$ 320 milhões.

Ex-diretora da Anac acusa Dilma de favorecer comprador da Varig


"Compadre de Lula no centro da história; um dos compradores confirma tudo"

Denise Abreu, que deixou o cargo em meio ao caos aéreo, relata pressões e acredita ter sido alvo de armação


Por Mariana Barbosa e Ricardo Grinbaum, Estadão


Uma briga entre sócios da empresa de transporte aéreo de cargas VarigLog está trazendo à tona informações que circulavam apenas no submundo dos negócios, relacionadas à venda da Varig, em 2006 e 2007. O fundo de investimentos americano Matlin Patterson e os sócios brasileiros Marco Antônio Audi, Marcos Haftel e Luiz Gallo disputam na Justiça o comando da VarigLog. No bate-boca entre os sócios, surgiram histórias de tráfico de influência, abuso de poder pelo primeiro escalão do governo, acusações de suborno e a elaboração de um dossiê falso. As denúncias envolvem o Palácio do Planalto e o advogado Roberto Teixeira.

Para falar sobre esse tumultuado período da aviação brasileira, a reportagem procurou a ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Denise Abreu. Ela deixou o cargo em agosto de 2007, sob pesadas críticas e acusações durante a CPI do Apagão Aéreo. Chegou a ser responsabilizada pelo caos aéreo e pelo acidente da TAM. Também foi acusada de fazer lobby para a TAM. Embora não fosse presidente da agência, por seu estilo agressivo, era considerada a diretora mais forte. E ficou conhecida pela foto publicada no Estado em que aparece fumando um charuto no casamento da filha do colega de agência, Leur Lomanto, em Salvador, no auge do apagão aéreo. Agora, quer dar sua versão dos fatos. "Não consigo mais trabalhar, preciso me defender e contar o que sei", diz ela, que acredita ter sido alvo de armação. "Eu sequer fumo charuto."

Denise conta que foi pressionada pela ministra Dilma Rousseff e pela secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, a tomar decisões favoráveis à venda da VarigLog e da Varig ao fundo americano Matlin Patterson e aos três sócios brasileiros. Como a lei brasileira proíbe estrangeiros de ter mais de 20% do capital das companhias aéreas, a diretora queria documentos comprovando a origem de capital e a declaração de renda dos sócios brasileiros para verificar se tinham recursos para a compra. "A ministra não queria que eu exigisse os documentos. Dizia que era da alçada do Banco Central e da Receita e falou que era muito difícil fazer qualquer tipo de análise tentando estudar o Imposto de Renda porque era muito comum as pessoas sonegarem no Brasil."

Quem representava os compradores da VarigLog e da Varig era o escritório do advogado Roberto Teixeira, amigo do presidente Lula. Na Anac, a filha e o genro de Teixeira, os advogados Valeska Teixeira e Cristiano Martins, circulavam livremente, conta Denise. Ela descreve a atuação de Valeska como truculenta. "Ela liga direto da reunião para o pai. Sabe pressão psicológica? Ao fim da reunião, ela diz: agora temos de ir embora porque papai já está no gabinete do presidente Lula."

Outro personagem importante desse período da aviação brasileira, o empresário Marco Antônio Audi, sócio da VarigLog, também falou sobre o episódio. Hoje afastado da gestão da VarigLog pela Justiça de São Paulo - que acusa ele e dois sócios de serem "laranjas" do fundo americano -, Audi diz que só foi possível aprovar a compra da VarigLog pela influência de Teixeira no governo e na Anac. "Paguei US$ 5 milhões ao Roberto Teixeira para cuidar do caso", diz Audi.

Com a aprovação da compra da VarigLog pelo fundo Matlin e seus sócios brasileiros, eles puderam levar a Varig, em leilão, por US$ 24 milhões. Meses mais tarde, a empresa foi revendida à Gol, por US$ 320 milhões.

Hoje, Teixeira advoga para o maior inimigo de Audi, Lap Chan, representante do Matlin Patterson. "Tenho medo do Roberto Teixeira.", diz Audi. Durante o processo de dissolução societária na 17ª Vara de São Paulo, o juiz José Paulo Magano viu indícios de "prática de ilícitos civis e criminais, inclusive crime de quadrilha" e determinou que o Ministério Público e a Polícia Federal investiguem os sócios da VarigLog e o escritório de Teixeira. Procurados ao longo da apuração para falar sobre o assunto, a ministra Dilma e o advogado Teixeira não quiseram se manifestar.

''Fui acusada de fazer lobby da TAM''

Entrevista - Denise Abreu: ex-diretora da Anac. Análise da ministra-chefe da Casa Civil era que a Varig já estava falida, diz a ex-diretora da Anac

A ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)Denise Abreu diz que a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e sua secretária-executiva, Erenice Guerra, pressionaram a Anac para aprovar a venda da empresa de cargas da Varig, a VarigLog, para o fundo de investimentos americano Matlin Patterson e três sócios brasileiros.

A sra. diz que foi pressionada durante seu período na Anac. O que aconteceu?


Em abril de 2006, poucas semanas depois de termos sido empossados, os quatro diretores da Anac foram chamados na Casa Civil para tratar do caso Varig. A análise da ministra-chefe da Casa Civil era que a empresa já estava falida. Nessa reunião, recebemos a determinação de fazer um plano de contingência para não deixar os passageiros desassistidos. Recebemos a instrução de que as linhas internacionais de longo curso deviam ser destinadas à TAM e as da América do Sul à Gol. Ponderamos que não era possível seguir esse rateio no mercado interno, já que outras companhias podiam querer esses destinos.


Qual foi o episódio de maior pressão na Anac?


Enquanto elaborávamos o plano de contingência da Varig, a agência estava avaliando a transferência acionária da VarigLog. Em janeiro, a VarigLog havia sido comprada pelo fundo americano Matlin Patterson, em sociedade com a Volo do Brasil, dos brasileiros Marco Audi, Luiz Gallo e Marco Haftel. Eles tinham uma tal de autorização prévia de funcionamento jurídico dada pelo antigo DAC. Como relatora do processo, descobri que não havia na legislação essa figura da autorização prévia. Revimos a autorização e expedimos um ofício com novas exigências, para podermos comprovar a origem do capital e também, por meio de declarações de Imposto de Renda, se os sócios brasileiros tinham condição de comprar a companhia. Isso era importante para adequar a operação ao Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), que impede que um estrangeiro tenha mais de 20% de uma companhia aérea nacional.


A diretoria da Anac foi pressionada para aprovar essa transferência de capital da Variglog?


Logo que expedi esse ofício, a sra. Valeska Teixeira, filha de Roberto Teixeira, foi à Anac, no Rio. Teve uma reunião bastante calorosa com o superintendente de serviços aéreos e, aos gritos, dizia que queria falar comigo. Na ocasião, pedi para levá-la à minha sala. Ela disse que divergia dos termos do ofício, que era muito amiga do ministro José Dirceu e afilhada do presidente da República. Eu respondi que isso era bom para a relação pessoal dela, mas não mudava nada. Disse ainda que, se entendesse que eu havia extrapolado das minhas funções de diretora da Anac, deveria interpor um mandado de segurança para o Judiciário decidir quem estava correta. Pouco depois, fomos novamente chamados na Casa Civil e, pela primeira vez, ouvi a ministra Dilma dizer que havia chegado denúncias de que eu e o diretor Jorge Velozo estaríamos fazendo o lobby da TAM. E o diretor-presidente Milton Zuanazzi e o diretor Leur Lomanto estariam fazendo o lobby da Gol. Por causa desse suposto lobby, nós teríamos dividido as linhas internacionais entre as duas empresas. Nós nos insurgimos contra essa afirmação, pois havíamos seguido as orientações da própria Casa Civil. A partir daí percebemos que havia algo estranho acontecendo com relação ao caso Varig.

''Dilma disse que era muito difícil provar origem do dinheiro''

Ex-diretora da Anac diz que a ministra a pressionou para que não exigisse o Imposto de Renda dos sócios da VarigLog

A ex-diretora da Anac Denise Abreu disse que a ministra Dilma Rousseff pediu a ela para não exigir declaração de Imposto de Renda dos sócios brasileiros da VarigLog - o que seria uma tentativa de averiguar se eram "laranjas" dos investidores estrangeiros - porque no Brasil "é comum sonegar imposto". A seguir, a continuação da entrevista.

A ministra chegou a cobrá-la pelas exigências de comprovação de origem de capital e de Imposto de Renda dos sócios à VarigLog?

Numa reunião, a ministra se insurgiu contra as duas exigências dizendo que isso não era da alçada de uma agência reguladora, mas do Banco Central e da Receita. Falou ainda que era muito difícil fazer qualquer tipo de análise tentando estudar o Imposto de Renda dos sócios da Volo porque era muito comum as pessoas no Brasil sonegarem imposto. Ela disse também que nunca ia se revelar como se deu a entrada desse dinheiro no País porque poderia haver um contrato de mútuo entre as empresas e que esse contrato, de gaveta, nunca apareceria. Eu respondi que a matéria deveria ser colocada sub judice e os meus colegas já haviam aprovado meu ofício no colegiado da Anac.

Houve alguma ação judicial contra a Anac?

Os representantes da empresa, por meio do escritório do Roberto Teixeira, entraram com uma ação para que a venda da VarigLog fosse aprovada. Eles também entraram com uma representação contra mim no Ministério da Defesa, dizendo que eu fazia lobby pela TAM.

Mas os documentos que a sra. exigia nunca foram apresentados, e mesmo assim a transferência de capital foi aprovada.

Sim. No dia 23 de junho. Fazia uns 15 dias que, por determinação do governo, estávamos despachando na sede do Ministério da Defesa, discutindo o plano de contingência para a Varig. Na sexta-feira 23, quando nós diretores chegamos ao ministério, fomos informados pelo presidente da Anac, Milton Zuanazzi, que teríamos de votar o caso VarigLog naquele dia. A senhora Valeska e o Cristiano Martins (seu marido e sócio) estavam na ante-sala, aguardando a decisão.

Até então a apreciação do caso não estava programada para aquele dia...

Que eu soubesse, não.

Os advogados da VarigLog souberam antes de vocês...

Eu apresentei uma petição para o dr. Milton me dando por impedida de votar. Pela lei, se há uma representação contra uma autoridade que vai decidir, ela é considerada suspeita para votar aquele caso. Poucas horas depois, os advogados da VarigLog apresentaram um protocolo de retirada da representação que haviam feito contra mim no Ministério da Defesa. Aí eu ponderei que havia uma ação judicial tratando dessa matéria e citava nominalmente a mim. Portanto, eu continuava impedida de votar. Aí os advogados da VarigLog foram à Justiça Federal e protocolaram a desistência da ação. Tudo no mesmo dia. Como eles desistiram da ação, infelizmente, a decisão judicial, que havia sido proferida no dia anterior mas ainda não havia sido publicada, passou a não ter valor. O desembargador havia decidido que a Anac estava correta, que tinha o poder de investigar não só a origem do capital, como a capacidade financeira de cada pessoa física.

Não havendo mais impedimento, solicitei uma manifestação da Procuradoria-Geral da Anac. No mesmo dia, apareceu um parecer do procurador João Elídio dizendo que não era competência da Anac exigir os documentos de origem de capital e o Imposto de Renda.

O procurador foi pressionado?

Ele me disse que sim. Contou que ligaram da Casa Civil para ele e ele disse que estava internado. Depois a dra. Erenice ligou no celular dele para perguntar como ele estava de saúde, que ela gostaria muito de mandar o subchefe da Casa Civil visitá-lo no hospital.

Ele estava internado?

Ele disse que estava internado, não fui visitá-lo, não tinha tempo.

Ele foi internado quando soube que tinha que dar o parecer?

Não sei se foi em conseqüência disso, mas foi tudo no mesmo dia. O que eu soube é que, depois de receber o telefonema da dra. Erenice, ele teria saído do hospital e ido a uma reunião na Casa Civil. Pouco depois, ele emitiu seu parecer. Mas, enquanto não chegava o parecer do procurador, eu saí do ministério. Só voltei quando o presidente da Anac me chamou, às 11 da noite, para finalmente votarmos a matéria. No dia seguinte, oficiei a todos, ao Banco Central e à Receita, pedindo que se verificasse a origem de capital e o Imposto de Renda dos sócios da VarigLog. Enquanto eu estava na Anac, não tive resposta.

Por que havia tanta pressa em votar o caso da VarigLog no dia 23?

Não sabíamos à época. Depois, quando a VarigLog comprou a Varig no leilão, é que vimos que uma matéria estava atrelada à outra. Se não aprovasse a transferência acionária da VarigLog, ela não existiria e não poderia participar do leilão.

A sra. também diz que a Anac teve problemas no episódio de venda da Varig. Uma das questões dizia respeito à dúvida se o comprador da Varig herdaria as velhas dívidas da companhia. O que aconteceu?

O procurador-geral da Fazenda Nacional, Manoel Felipe Brandão, deu algumas declarações dizendo que a sucessão de dívidas não estava afastada. Ao saber disso, o juiz Ayoub (Luiz Roberto Ayoub, da Vara Empresarial do Rio de Janeiro) solicitou uma audiência com o procurador, em Brasília. O procurador achou que ia receber só o juiz. Mas a diretoria da Anac também foi chamada, além de um assessor da Erenice e alguns jornalistas. Enfim, uma quantidade de pessoas bem maior do que ele imaginava, e ele manteve seu posicionamento. Em poucos dias, ele saiu da procuradoria e foi colocado o procurador Luís Adams. Aí foi emitido um parecer garantindo que não havia sucessão de dívidas.

Como era a atuação dos advogados do escritório Teixeira, Martins e Advogados?

O caso VarigLog/Varig é o caso em que tivemos a participação muito intensa de advogados dentro da Anac. Não lembro de outros casos. Nunca vi o Roberto Teixeira na Anac em Brasília. Sei que ele participou de algumas reuniões no Rio. A filha e o genro iam muito à Anac em Brasília.

E como era a atuação da Valeska?

Era truculenta. Recentemente vi um boletim de ocorrência do Marcos Haftel (sócio brasileiro da VarigLog) contra ela, em que confirma essa truculência. Ela liga da reunião para o pai. Sabe pressão psicológica? Ao final de uma reunião, acompanhada pelo esposo, ela diz: "Agora temos de ir embora porque o papai já está no gabinete do presidente Lula".

O nome de Roberto Teixeira aparecia nas reuniões da Casa Civil?

Nas reuniões de plano de contingência, ou para aprovar ou não a VarigLog, sobre transferência do cheta da Varig, em várias oportunidades, ouvimos a Erenice falando com o Zuanazzi sobre o tema e se referindo a alguém como "papai". Ou a Erenice e a ministra Dilma dizendo uma para a outra: "Porque o papai precisa analisar". Eu só sabia que todos nós que estávamos na reunião não éramos "papai".

Como eram essas reuniões na Casa Civil. Quem convocava?

O Milton nos comunicava que a ministra Dilma havia convocado a reunião e deveríamos participar, como colegiado.

Tecnicamente, era função da ministra ou a senhora sentia que havia uma ingerência indevida?

Tecnicamente, uma agência reguladora não está vinculada ao governo. A lei da Anac é clara e dá autonomia funcional, administrativa e de gestão à agência.

Na prática, a ministra mandava na Anac?

A Anac é um órgão muito grande. Seria uma irresponsabilidade dizer que ela mandava na Anac. Mas existia uma tentativa de monitoramento das ações da diretoria com relação a esse caso: Varig e VarigLog.

A sra. diz que foi vítima de um dossiê falso. Como foi?

Um mês depois da minha saída da Anac, recebi um envelope na casa da minha mãe. Foi preparado como um dossiê, só com informações falsas. Fui ao meu advogado e pedi para que a documentação fosse levada para a Polícia Federal investigar quem elaborou o dossiê. Demos entrada na PF e o caso foi remetido à Polícia Civil de São Paulo, para investigar crimes de calúnia e tentativa de extorsão.

O que tinha no dossiê?

O dossiê diz que eu teria contas no Uruguai e remeteria dinheiro para Luxemburgo. E teria usado cartões de crédito para fazer saques em dinheiro e pagar eventos onde teria me encontrado com o coronel Velozo e o Anchieta (Anchieta Hélcias, vice-presidente do Sindicato Nacional de Empresas Aeroviárias, ligado à TAM). Ao ler o dossiê, passei a entender uma série de questionamentos que recebi de deputados durante a CPI do Apagão Aéreo e que na hora eu não havia entendido. Também entendi por que, em 2006, a ministra Dilma afirmou que eu e o Velozo fazíamos lobby para a TAM e o Leur e o Zuanazzi fariam para a Gol.

A sra. tem alguma suspeita da autoria do dossiê?

Eu relatei os inúmeros tumultos ao longo do processo, que podem apontar o caminho para a polícia fazer a investigação. Agora cabe ao delegado fazer o link e chegar às suas conclusões.

Sua suspeita é que seria alguém que teve o interesse contrariado durante sua gestão na Anac?

Com certeza.

O que sempre se falou é que a sra. agia em nome dos interesses da TAM e que tem um irmão que advogou para a TAM. Qual é a sua relação com a TAM?

Eu não tenho relação com a TAM. Jamais recebi qualquer benefício da empresa. Meu irmão foi advogado - e isso descobri a posteriori - muito antes de imaginar que eu, procuradora do Estado de São Paulo, iria trabalhar no governo do presidente Lula e, depois, seria indicada para uma agência que ainda não havia nascido. A Comissão de Ética Pública da Presidência da República julgou esse caso, recentemente, e arquivou a questão de ter irmão advogado e disse que não há nenhuma conduta antiética.

''Influência de Teixeira foi 100% decisiva''

Entrevista - Marco Antônio Audi: empresário e um dos sócios brasileiros na compra da VarigLog. Empresário contratou Roberto Teixeira por US$ 5 milhões para resolver problemas ligados à compra da VarigLog

Acusado pela Justiça paulista de ter sido "laranja" do fundo americano Matlin Patterson para comprar a VarigLog e a Varig, o empresário Marco Antônio Audi refuta as denúncias. Mas diz que, desde o início, sabia das dificuldades que ia enfrentar para conseguir a aprovação legal para a compra das empresas.

Audi diz que contratou o advogado Roberto Teixeira e combinou um pagamento de US$ 5 milhões para que ele resolvesse o problema - um valor muito mais alto do que os honorários de outros advogados, segundo o próprio Audi. "Não sei o que o Roberto Teixeira negociou. Eu só sei que investi nele, ele tinha de trazer resultados e trouxe. Sua influência foi 100% decisiva." A seguir, os principais trechos da entrevista.

O juiz Magano, da 17.ª Vara Cível de São Paulo, diz que você e os outros dois sócios brasileiros são laranjas do Lap Chan, sócio do fundo Matlin Patterson.

Não é verdade. A idéia de comprar a VarigLog foi minha e eles acreditaram que o negócio ia dar certo e toparam. Eu propus para o Lap investir via empréstimo. Eu queria ficar com 20% e com toda a gestão. E eu falei para ele que tínhamos de achar outros sócios brasileiros que fiquem com o restante, por causa da lei. E ele me indicou o Marcos Haftel e o Luiz Gallo. Mas não como laranjas. Era uma sociedade normal.

Como o sr. conheceu o advogado Roberto Teixeira?

Assumimos a VarigLog em janeiro de 2006. E logo começou uma pressão muito grande de todo o pessoal da Varig e também da concorrência. Aí, em fevereiro, comecei a procurar um advogado muito bom de direito regulatório, pois precisávamos aprovar a transferência de capital da empresa. Uns amigos me indicaram o Roberto Teixeira. Eu não tinha a menor idéia de que ele era parente, compadre do presidente Lula. Tive empatia com ele. Ele me convenceu de que seria a pessoa certa. Na época, o escritório dele era muito simples, metades das luzes estavam apagadas por economia.

O que ele falou para te convencer?

"Eu vou provar para você que tenho influência no governo e um acesso muito forte ao DAC (Departamento de Aviação Civil)." Na época não era nem Anac. Contou o caso da Transbrasil falando que tinha conseguido segurar a briga com a Gol, que queria as áreas da Transbrasil nos aeroportos.

Quais foram os honorários do escritório Teixeira e Martins?

Era misto de horas trabalhadas e uma taxa de sucesso que, se não me engano, era de US$ 800 mil a US$ 1 milhão. Do contato até a aprovação da VarigLog foram US$ 5 milhões. Está tudo contabilizado, pago com transferência bancária ou cheque nominal cruzado para a empresa dele.

Não é muito?

Não é pouco. É um advogado muito caro.

Ele chegou a citar em algum momento que teria de gastar algum dinheiro com propina?

Se ele gastou esse dinheiro com alguma coisa assim, não tenho conhecimento. Por algumas vezes, ele tentou me falar que certas coisas facilitariam muito, mas nunca aceitei.

Como ele "tentava falar"?

Você sabe que tem mil maneiras de dizer bom dia. E ele me disse "bom dia".

Você pagou o que ele estava pedindo, pois ele falou que resolveria seu problema.

E resolveu tudo. Mas agora tenho esse monstro contra mim.

A aprovação da estrutura societária da VarigLog na Anac saiu no dia 23 de junho, logo depois de a VarigLog apresentar uma proposta para comprar a Varig...

Realmente, quando ficou claro que éramos a única esperança para a compra da Varig, foi quando saiu a aprovação da VarigLog. Não sei o que o Roberto Teixeira negociou. Eu só sei que investi nele, ele tinha de trazer resultados e trouxe.

Sua influência foi decisiva?

Cem por cento decisiva.

Como era o poder dele? Onde ele era mais influente? Na Anac, no Planalto?

Ele me apresentou a várias pessoas. Ao presidente da República, à ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), ao ministro Waldir Pires (Defesa), ao Luiz Marinho (Trabalho).

Qual era o propósito das visitas?

Ele me dizia que era importante conhecer fulano de tal agora. Eu pegava o avião e ia lá. Conversava, falava das nossas intenções. Eram encontros 100% formais.

Ele demonstrava intimidade com ministros?

Muita. Não é pouco. Chegava nos ministérios e era reconhecido na recepção. Mandavam subir. Ele tentou várias vezes ter conversa atravessada comigo. Mas neguei todas as investidas. Hoje vejo que era minha inocência. Mas eu nunca deixei ninguém chegar perto da gente. Nossa contabilidade, da Volo, VarigLog e Varig, está aberta para qualquer um.

Quando vocês resolveram comprar a Varig não temiam herdar as dívidas da empresa?

Todos os advogados consultados pela Gol, TAM e outras diziam que ia ter sucessão (das dívidas), mas eu acreditava que não. E o Roberto Teixeira me deu um conforto, dizendo: "Marcos, vamos em frente que não vamos ter sucessão".

Depois de comprar a Varig, como foi a disputa para obter o cheta (a autorização para funcionamento da companhia)?

Foi outra briga. Contra TAM, Gol, Anac. Foi uma briga muito feia, porque a pressão da TAM e da Gol para a não sobrevivência da Varig era muito forte. Levou seis meses para conseguirmos um novo cheta, pois a Anac dizia que não dava para transferir o cheta da velha Varig. Claro que dava. Mas todos os diretores da Anac eram contra. A gente salvando uma companhia daquela e o regulatório inteiro contra a gente. Alguém precisava ajudar, pois os caras iam nos matar.

E como foi vencida a resistência?

Não tenho dúvida que o Roberto Teixeira usou muito sua influência. Não só na Anac. A Anac estava um casulo para a Varig. A gente foi cumprindo todas as exigências e eles sempre iam pedindo mais coisas. Um dia eu tive uma reunião na Anac e disse, se vocês decidirem não aprovar, eu fecho a Varig em uma semana. Naquela altura, a Varig já estava com 2 mil funcionários, 23 aviões. No dia 14 de dezembro, ganhamos o cheta da Varig. Um dia depois fui ao presidente Lula, com o Lap (Chan). Estava a família feliz inteira, Valeska, Cristiano, Larissa, Roberto Teixeira. A Dilma também.

E poucas semanas depois, os srs. estavam negociando a venda da Varig. Por quê?

Uma semana depois do cheta, o Lap chegou para mim e disse que houve um racha no fundo e que ele não emprestaria mais dinheiro. Ele é muito seco, disse "acabou, não tem conversa". Ele já tinha emprestado US$ 211 milhões para o projeto Varig e US$ 135 milhões para a VarigLog. Pelo combinado, faltavam ainda US$ 270 milhões para o projeto Varig. Só tínhamos uma opção: vender a Varig, ou as duas empresas iriam quebrar. Juntas, as duas consumiam US$ 20 milhões por mês de caixa.

Quem vocês procuraram?

O Lap, que a essa altura estava muito próximo do Roberto Teixeira, disse que ia falar com o Constantino Junior, da Gol. Fui atrás da TAM. A TAM assinou um memorando de intenções, mas pediu dez dias para avaliar. Tentei segurar a negociação, pois achava que a proposta da TAM era melhor, mas o Lap insistia na proposta da Gol. Ele me apresentou o contrato pronto para assinar. Foi uma pressão enorme. O Lap estava desesperado. Sentei com o Junior uma única vez, num hotel. Ele é habilidoso, calmo, e falou: "Eu saio daqui com o negócio fechado ou você nunca mais vai me ver na vida". Era pegar ou largar.

Qual foi a participação do Roberto Teixeira nesse negócio?

A foto no elevador do Palácio do Planalto que o Estado publicou na época é reveladora (ver abaixo). O Teixeira era advogado do vendedor e foi a uma reunião com Lula levando o comprador (Gol).

Em um certo momento, Lap Chan recorreu à Justiça dizendo que tinha o direito legal de comprar a parte dos brasileiros na VarigLog e que quem assumiria a empresa seria a Voloex. O que é a Voloex?

A Voloex é uma empresa que foi alaranjada pelo Lap com a ajuda do Roberto Teixeira. Está tudo em uma investigação policial. Eles compraram uma empresa de Santana do Parnaíba, mudaram a razão social, transferiram a sede para a Rua Padre João Manuel, mesma rua do escritório de Roberto Teixeira, e colocaram a irmã do Lap como sócia. Agora, vejam vocês, o Roberto Teixeira, que tanto defendeu a parte nacional e convenceu a Anac que nós não éramos laranjas, ajudou o Lap a criar uma empresa de laranjas para nos substituir. Gozado isso. E, se o Roberto Teixeira hoje diz para o cliente dele que nós somos laranjas, então ele sabia desde lá de trás que nós éramos laranjas? Ou ele agiu em nome do governo ou estava enganando o governo.

Quem está acusando vocês de serem laranjas?

O Lap. Sob a orientação de quem? Um cara como o Roberto Teixeira é um estrategista. Se você falar alguma coisa para ele que ele não queira, ele vira as costas e vai embora. Eu tive de brigar com ele várias vezes. Ele é deus. O que ele quer tem de ser feito ou você não contrata ele.

Você disse que tinha muito medo do Roberto Teixeira. Por quê?

Pelo poder que ele tem. Onde? No governo, na Justiça. As verdades vão aparecer. Talvez seja tarde, e eu esteja morto (não morto, morto), mas morto empresarialmente.