sexta-feira

Não somos donos de nada


por João Luiz Mauad em 17 de maio de 2007 Resumo: Jamais seremos indivíduos realmente livres enquanto a propriedade privada não for absoluta, sem adjetivações, meandros ou subjetivismos.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

Ideologicamente, a esquerda supõe que os indivíduos sejam incapazes de resolver os seus problemas sem a tutela do governo. Como Platão, eles consideram-se melhores que os demais mortais, como se fossem “ungidos” - na definição precisa de Thomas Sowell. Os indivíduos são como marionetes a serem manipuladas por lideranças “superiores”, em prol do tal “bem comum”.

Para eles, as organizações humanas carregam certas imperfeições que geram conflitos e/ou desequilíbrios, os quais requerem a permanente interferência do governo. Em resumo, as soluções dos problemas sociais devem passar, necessariamente, por uma boa dose de autoritarismo.

É claro que as soluções propostas para os “conflitos” (muitos dos quais só existem na fértil imaginação de alguns) quase sempre acabam por piorar as coisas. Ao regulamentar excessivamente as relações sociais, a fim de tentar resolver a famigerada “luta de classes”, eles acabam gerando conflitos reais. É assim com as questões trabalhistas, raciais, sexuais ou quaisquer outras oriundas da velha dialética marxista.

(Para os “ungidos”, é inadmissível que a sociedade tenha mecanismos próprios, capazes de resolver seus conflitos. Não lhes passa pela cabeça que pessoas absolutamente diferentes no que diz respeito às habilidades, religiões, raças, etc., sejam perfeitamente aptas a cooperar, produzir, negociar e comerciar voluntariamente com sucesso, gerando sempre maiores níveis de bem-estar. Não enxergam que foi esta interação espontânea que tornou possível o progresso humano, desde as cavernas até a civilização como a conhecemos hoje, e não a “clarividência” de meia-dúzia de planejadores clarividentes).

Como bem ensinou Hayek em seu magnífico “The road to serfdom”, a compulsão pelo intervencionismo nos assuntos privados é satisfeita, invariavelmente, através de políticas coercitivas e deságuam, freqüentemente, em servidão. Esta, por seu turno, é sempre resultante da agressão ou mesmo da simples ameaça, ao direito de propriedade.

A guerra pela liberdade deve ser travada, portanto, visando sempre à preservação da propriedade privada, sem esquecer que a tirania utiliza armas muitas vezes difíceis de serem detectadas e combatidas, como a hipocrisia, a dissimulação e a mentira.

Na batalha cultural, a redefinição de certo vocabulário-chave é corriqueira. Termos caros à maioria dos homens de bem, como propriedade, liberdade, democracia, direito, justiça, igualdade, dentre outros, são usados pelos “ungidos” com significados absolutamente diversos dos originais. Não por acaso, quanto mais escrava é uma sociedade, mais convive-se com expressões relativistas do tipo “justiça social”, “propriedade solidária”, “bem comum”, “democracia radical” e por aí vai.

A idéia central que procuram passar é a de que, nas sociedades organizadas politicamente, o consentimento de cada indivíduo aos poderes normativos da maioria é, de certa forma, expresso, oriundo de um tal “contrato social”. De acordo com esta ótica, quando nos impõem uma lei de salário-mínimo ou de licenciamento profissional, por exemplo, isto não é uma agressão ao direito de propriedade mas meramente um re-arranjo de certas concessões que definem a propriedade. Implicitamente, portanto, estão nos dizendo que a propriedade privada seria apenas uma coleção de permissões (a título precário) que o Estado outorga aos cidadãos.

No caso brasileiro, o “caminho da servidão”, de que nos fala Hayek, está bem sedimentado desde que se aprovou, sem maiores objeções, o famigerado inciso XXIII (art. 5º) da constituição (epígrafe). O pressuposto por trás deste disparate jurídico é que qualquer coisa que você porventura possua, na verdade pertence ao Estado, e é “sua” somente no sentido de que os príncipes eleitos delegam a você certos privilégios em relação a ela, sempre obedecida, é claro, a tal “função social”, cuja definição depende de critérios absolutamente subjetivos. De acordo com a nossa lei máxima, portanto, o Estado é o senhor supremo, o verdadeiro dono de toda propriedade. Nós somos apenas seus arrendatários ou inquilinos.

Jamais seremos indivíduos realmente livres enquanto vigorar este despautério; enquanto a propriedade privada não for absoluta, sem adjetivações, meandros ou subjetivismos.

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