sexta-feira

Um Soldado Brasileiro no Haiti

Em 2004, o gaúcho Tailon Ruppenthal, que na época tinha 20 anos, foi escalado para integrar a primeira tropa brasileira de soldados da United Nations Stabilization Mission in Haiti (MINUSTAH), onde permaneceu seis meses. As memórias do militar sobre esta experiência estão no livro "Um Soldado Brasileiro no Haiti".

Na obra, Ruppenthal conta sobre a rotina de violência do Haiti e sobre o ríspido processo de formação imposto pelo Exército brasileiro. Dentre os fatos mais impressionantes narrados pelo soldado está a quantidade de corpos que encontrou pelo país. Em seu livro, ele descreveu: "o país é um necrotério a céu aberto".

Veja abaixo trecho do livro.

*Cresci em uma família de classe média em uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul, Três Coroas. Entrei no Batalhão de Infantaria Motorizada de São Leopoldo mais por causa da carreira do que pela proteção econômica, até porque eu receberia um salário mais alto que o soldo trabalhando em algum comércio da região onde eu morava. Além disso, minha estrutura familiar é sólida e nunca estive exposto à criminalidade. Claro, havia certa ingenuidade na minha opção: eu jamais iria muito longe na carreira militar e, por mais que fizesse, tudo que conseguiria, depois de anos e anos de sapos engolidos, seria, no máximo, transmitir as ordens dos sargentos para os soldados e os recrutas.

Interessado em progredir, fiz inclusive um curso para cabo antes de aparecer a missão de paz no Haiti. Não sei como o comando estrutura esse tipo de curso, mas a realidade é que o tenente e os sargentos responsáveis fazem de tudo para que o recruta desista antes do final. É ridículo, violento e opressor. Algumas atividades de selva são muito puxadas (eles dizem que na guerra é assim) e outras completamente desnecessárias.

Tínhamos que passar frio para provar alguma coisa (nas noites de maior desespero, os participantes do curso chegavam a dormir abraçados uns aos outros para espantar o frio - não sei se na guerra é assim), às vezes a alimentação era racionada e o tempo de descanso não passava de um período para suspirarmos. Consegui resistir com alguns outros e terminei o curso, mas minha promoção para cabo não saiu até o meu desligamento, na volta do Haiti.

De vez em quando aparecem denúncias de maus-tratos no Exército. Nunca vi nenhuma punição física, mas testemunhei uma quantidade enorme de grosserias, o que talvez indique que alguns oficiais possam mesmo exagerar, muito embora esse tipo de coisa esteja cada vez mais sob a mira do comando. O que acontece é um excesso de berros e ofensas: o recruta é obrigado a escutar tudo calado. O resultado é que, depois de algum tempo, a grosseria que recebemos se torna habitual e, muitas vezes, nem mesmo é ouvida.

O ambiente de humilhação acaba substituído por uma espécie de teatro em que uns gritam e outros fazem a sua parte, que é a de estar ali enquanto o outro grita. Não há nada de especial em dar uma ordem para um recruta: ele sabe que sua tarefa é receber essa ordem. A estrutura é estranha e gera uma espécie de endurecimento indiferente. Os melhores recrutas aprendem a deixar que qualquer coisa entre por uma orelha e saia pela outra, o que, é lógico, faz com que não exista nenhum diálogo. São esses os caras que têm mais futuro no Exército.

Depois de uma bronca, quando o cara vira, os soldados riem do sargento, por causa da barriga, da dentadura, do mau hálito ou da careca do sujeito, que com certeza faz a mesma coisa do tenente, quando sai para beber ou aprontar com outro sargento. Já entre os oficiais, não sei que tipo de sacanagem acontece, mas imagino que deva rolar muita intriga. A verdade é que grito nenhum é ouvido; ou melhor: as coisas nem são processadas direito, nós, os robôs, vamos simplesmente cumprindo a programação.

Dessa maneira, a indiferença e o endurecimento vão tomando conta da vida do recruta. Quem consegue ficar imune à violência do curso para cabo, passa. Comigo deu certo, mas confesso que não consegui ficar cego diante do Haiti. Uma coisa é passar frio de madrugada e fome por uma semana porque um oficial panaca acha que isso é importante para a sua carreira e vai te fazer um militar mais capacitado (ou um grande macho, o que, para eles, é a mesma coisa); outra bem diferente é se aproximar de um corpo jogado no chão, sentir o cheiro de carne queimada e ver que as pessoas continuam tranqüilamente andando pela calçada.

Acredito que uma das questões mais importantes é a seguinte: no quartel, você aprende que o seu papel é o de cumprir ordens e ouvi-las sem dar qualquer opinião; vai, portanto, deixando de ter vida ativa e se torna um fantoche da sua posição na hierarquia.

Quando fomos submetidos à desgraça toda do Haiti, tivemos que voltar imediatamente à realidade, até porque de fato agora íamos nos confrontar com pessoas que não obedeciam à estrutura do quartel. E os corpos de pessoas queimadas vivas eram mesmo reais. Aí não é teatro. O cara sai de uma simulação grotesca e patética, em que é praticamente um robô, para mergulhar em uma miséria e um ambiente de violência extrema. O resultado é um choque gigantesco, inclusive porque a estrutura teatral (que, como eu disse, é a militar) continua. Você precisa continuar um fantoche quando a realidade lhe suga para uma desgraça indescritível.

Só volta bem de uma coisa como essa o cara que conseguiu, na vida de quartel, tornar-se um perfeito robô. Nem eu nem muitos outros soldados de que tenho notícia conseguimos ficar automatizados a esse ponto. Parece que muita gente voltou doente do Haiti, de vez em quando fico sabendo de alguma coisa.

Até hoje não me esqueço do dia em que precisei gritar para que uma senhora saísse do meio da linha de tiro. Estávamos dentro da favela de Bel-Air quando fomos surpreendidos por uma emboscada. É um negócio meio comum, você está andando e de repente vem uma chuva de tiros na sua direção.

Nós, soldados, nos protegemos imediatamente (essa era a ordem que tínhamos: primeiro nos proteger e reorganizar para só então devolver o ataque e tentar capturar o inimigo), e depois devolvemos os tiros. Já a população ao redor continuou normalmente a sua vida, inclusive andando pelo meio das balas. Às vezes, nem as crianças saíam da frente. O tiroteio rolava solto e elas continuavam brincando como se nada estivesse acontecendo.

Não há no Haiti nenhum espanto diante da violência. As pessoas assistem de camarote às balas cruzando o ar, não se incomodam se um cadáver ficar uma semana apodrecendo na calçada e contam nos dedos, sobretudo os mais pobres, o número de parentes desaparecidos. De uma hora para outra um adolescente pode se tornar um miliciano e entrar para a loucura. Tudo muito normal.

Mas cheguei a ver muito cara gritando de medo: bastava um miliciano se ferir e ficar para trás (o que não é muito comum), enquanto o bando desaparecia, que, assim que chegávamos, o cara começava a berrar de temor, implorando para não ser transportado até o hospital pela polícia haitiana. É estranho ver o medo estampado no rosto de uma pessoa. O sujeito tem certeza de que vai ser assassinado pela polícia, já que é um inimigo, e com requintes de crueldade - coisa que talvez já tenha feito com um policial -, e por isso chora desesperadamente.

No Haiti, a impressão que eu tinha é que o procedimento é muito simples: se o sujeito fosse pego pelos inimigos, na certa acabaria queimado. O ideal, portanto, era ser apanhado pelos militares da missão de paz. No entanto, nós mesmos não tínhamos autorização para prender ninguém. Desse modo, se não quisesse ser queimado, de fato o sujeito tinha que fazer tudo para não ser preso.

É essa vida alucinada, sempre no limiar do terror, que nos desperta da robotização do quartel. Só que aí nós, os ex-robôs lançados de supetão à vida, não sabíamos o que fazer.

"Um Soldado Brasileiro no Haiti"
Autor: Tailon Ruppenthal
Editora: Globo
Páginas: 162
Quanto: R$ 29,00
Onde comprar: 0800-140090 ou na Livraria da Folha

quarta-feira

O QUE LULA REALMENTE DISSE

Um post do destemido e excepcional jornalista Reinaldo Azevedo


FOLHA ONLINE FAZ ERRAMOS E PUBLICA O QUE LULA REALMENTE DISSE:

"LULA DIZ QUE GOSTAVA DE ENCHENTE “PORQUE NÃO TINHA DE TRABALHAR”. EU JURO! ELE DISSE ISSO MESMO!"



A Folha Online publicou ontem, dia 26, às 17h18, um “erramos”, corrigindo a transcrição que fez da fala de Lula sobre as enchentes. O texto da correção é este:

“Diferentemente do que foi publicado nas legendas da reportagem Lula diz ter deixado São Paulo ‘para se livrar das enchentes’” (Videocast - 25/01/2010 - 15h47), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz que muitas vezes não ia trabalhar porque a [avenida] Presidente Wilson enchia e, obviamente, gostava porque não tinha que trabalhar naquele dia”, e não que “não gostava porque não conseguia trabalhar”. A legenda do vídeo foi corrigida.

Leiam esta seqüência de fatos. Volto depois para comentar alguns aspectos jornalísticos e políticos:

1 - às 19h11 do dia 25, publiquei o post LULA DIZ QUE GOSTAVA DE ENCHENTE “PORQUE NÃO TINHA DE TRABALHAR”. EU JURO! ELE DISSE ISSO MESMO!. O post trazia o link da CBN com a gravação da fala de Lula. O som era perfeito;

2 - às 6h29 do dia 26, publiquei um longo texto analítico ligando aquela fala de Lula ao desastre de bilheteira (caso se considerem a expectativa e o investimento) do filme hagiográfico. Chama-se LULA FELIZ NA ENCHENTE;

3 - tem início, na manha de ontem, uma verdadeira corrente na Internet afirmando que eu distorci - na verdade, inverti - o que dissera o presidente. Estranhei. Até que um petralha me enviou um link da Folha Online que trazia uma transcrição errada da fala de Lula;

4 - às 14h59 de ontem, escrevi o post FOLHA ONLINE FAZ TRANSCRIÇÃO ERRADA DA FALA DE LULA E INVERTE O SENTIDO DO QUE DISSE O PRESIDENTE , afirmando que a Folha devia um “erramos” a seus leitores;

5) às 17h18, quase 26 horas depois da publicação da transcrição errada, a Folha publicou o “Erramos”. Não porque eu cobrei, claro. Mas porque era sua obrigação, não é mesmo?

Comento

No que diz respeito à questão da informação, é claro que a Folha Online demorou demais para corrigir o erro. A rigor, se tivesse tentado achar um áudio decente — e o da CBN estava disponível fazia tempo —, o erro não teria acontecido. Não é problema meu, é óbvio, e não sou conselheiro de veículos alheios, mas um exército reunia mais condições de varrer as várias fontes possíveis para saber o que Lula realmente dissera do que um só — no caso, eu. Noto que os portais, muitas vezes, trabalham como se os outros — a concorrência — não existisse. Isso é uma grande bobagem, especialmente na rede.

Quanto à questão do erro propriamente, vocês não têm idéia do quanto apanhei enquanto aquela transcrição errada da Folha Online ficou no ar. E, claro!, os petralhas nem mesmo se ocuparam em ouvir a fala de Lula que a CBN levara ao ar. Uma boa síntese desses comentários pode ser este aqui, de uma coitada chamada “Jussara”. Divirtam-se um pouco:

Engraçado, onde você diz que tem o áudio correto, não existe nada. Agora, em quem acreditar? Como tenho em casa um engenheiro de som e uma parafernália danada, foi possível ver que a Folha não errou (desta vez, não), ao contrário de quando publicou uma montagem bem fajuta da ficha da Dilma. Então, quem está mentindo, heim????

Como eu não acredito em nada do que leio na internet, sempre confiro. Fui conferir sua informaçãoo e nada!! Engraçado que ninguém comenta isso, não é mesmo?


Não é mesmo encantador? Não é piada da moça, não. Ela não sai do blog. Sempre com essa precisão.

Para encerrar

Quem leu meu post das 14h59 de ontem sabe que não afirmei que houve má-fé da Folha. Até escrevi que não se tratou de uma distorção deliberada, consciente. Isso pode até contar a favor da moral de quem transcreveu a fala, mas depõe contra o jornalismo (ver post acima). É um sintoma de uma doença que se estendeu aos jornais. É inequívoco constatar que há uma certa tolerância irrefletida com as batatadas que Lula costuma dizer. Assim como noto certa intolerância, não menos irrefletida, com as oposições.


Fonte foto 1: http://bobagento.com/wp-content/uploads/2009/12/enchente.jpg
Fonte foto 2: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091218/not_imp484022,0.php
Fonte foto 3: http://regismarques.files.wordpress.com/2009/05/enchentes.jpg
Fonte foto 4: http://www.agenciabrasil.gov.br/media/imagens/2009/05/10/AT13141504a.jpg


terça-feira

Parabéns, São Paulo




Resumo da história: se a produção rural não tivesse correspondido, aprimorando-se para gerar os excedentes capazes de alimentar milhões, São Paulo estaria mais triste no seu 456º aniversário. Este é o presente que a metrópole ganha, de forma quase anônima, dos agricultores paulistas e brasileiros. Benjamin Franklin disse certa vez que, "se as cidades forem destruídas e os campos forem conservados, as cidades ressurgirão, mas se queimarem os campos e conservarem as cidades, estas não sobreviverão". Belo ensinamento.

Por Xico Graziano

Lá se vai mais um aniversário da grande metrópole paulistana. É fascinante pensar historicamente, tentando entender como se formaram essas incríveis aglomerações humanas. Mais interessante, ainda, descobrir como se alimenta a vida na cidade gigante. Enorme desafio.
Aprende-se na história econômica elementar que, em todo o mundo, as cidades somente puderam crescer quando a produtividade do trabalho no campo se elevou. Antes disso, nos primórdios nômades da civilização, as famílias, suas tribos e seus grupos produziam o próprio alimento que comiam. Fase ancestral da agricultura de subsistência. O maior estímulo à produção agrícola sempre derivou, desde a Antiguidade, das inúmeras e longevas guerras. Afinal, exércitos precisam ser abastecidos em campanha, longe dos campos de cultivo de cereais, da carne e do leite. Ninguém vence uma batalha com a fome batendo na sua legião. Os militares guerreiros, sem querer, impulsionavam a roça. Nos fortificados burgos medievais, nos palácios da nobreza europeia e na Igreja, comerciantes, religiosos, filósofos, artistas, meretrizes, toda uma população desconectada da lide rural exigia comida e roupas para manter suas atividades essencialmente urbanas. Nesse período da Idade Média cresceu o mercantilismo, demandando alimentos e matérias-primas. A formação de excedentes no campo fortalece as nascentes cidades. Jamais vingaria a Revolução Industrial se, antes, não tivesse ocorrido uma enorme modificação na área agrícola. A forja de novos instrumentos de lavra, o cercamento das terras, a dragagem dos pântanos, a regulamentação do trabalho camponês, tudo isso possibilitou o início do capitalismo europeu. Mais gente na cidade, maior produtividade no campo. Essa é a história da civilização. São Paulo vingou tardiamente, comparada aos grandes centros urbanos da Europa. Porém, de modo semelhante, dependeu do campo para evoluir, passando por fases distintas em seu crescimento. Enquanto o eixo econômico da colônia brasileira pertencia ao açúcar do Nordeste e, depois, à mineração das Minas Gerais, desde a criação do colégio jesuíta em 1554 ela permaneceu sem maior expressão. Durante dois séculos, a vila de difícil acesso erguida nos campos de Piratininga esteve quieta e isolada, abastecida pelas roças locais de subsistência. Depois, ao evoluir para uma espécie de quartel-general dos bandeirantes, ganhou maior movimento. Mesmo assim, apresentava em 1872 apenas 31 mil habitantes. Pouca gente para comer. Tudo começou a se alterar, de verdade, com a chegada do ciclo do café, a partir de 1860. A onda verde dos cafezais tomou conta do Vale do Paraíba, expandindo-se depois na direção de São Paulo, passando por Campinas e se firmando em Ribeirão Preto no início dos anos 1900. Para se localizar nesse período de desenvolvimento basta saber que a Ferrovia Santos-Jundiaí começou a operar em 1867. Trilhos do progresso. Fugidos da guerra de unificação e atraídos pelos negócios da economia cafeeira, muitos italianos por aqui desembarcam, dirigindo-se ao interior, onde constituíram o colonato. Outras nacionalidades, entretanto, chegaram para se dedicar ao comércio da nova riqueza na capital. Em 1895 a cidade de São Paulo contava 130 mil habitantes, metade dos quais, estrangeiros. Em 1920 já ostentava São Paulo 580 mil habitantes. Não parou mais de prosperar. Um período de esplendor e glória vingou na grande cidade. Mas a situação começou a mudar em meados da década de 1960. A partir desse momento, a força do êxodo rural iria determinar nova dinâmica na crescente metrópole paulistana. Expulsa pela modernização do campo e atraída pela esperança do emprego, a pobreza rapidamente migrou para São Paulo. Surgia, então, o drama do abastecimento popular. Milhões de bocas para comer, a desgraça rondando a cidade. Nada se passou fácil naquelas décadas de 1970 e 1980, período em que as políticas públicas cumpriram papel fundamental ao enfrentar o enorme desafio da alimentação familiar. Podia-se morar debaixo da ponte, mas de onde viria comida para saciar tanta necessidade? Qual o preço do arroz com feijão? Centros de comercialização e distribuição, como a Ceagesp, tornaram-se essenciais. Impulsionados foram os mercados regionais e as tradicionais feiras livres, surgiram as novidades dos sacolões e varejões. Cresceu o cinturão verde, lavraram-se as fantásticas hortas de Mogi das Cruzes, Ibiúna e alhures. Mais de longe vinham os cereais, a carne, ovos, leite, mandioca, laranja, cultivados por todo o interior. No começo, quase tudo dependia do estímulo governamental. Depois, progressivamente, a iniciativa privada assumiu seu papel. Ainda bem. Estudioso da matéria, o economista rural Eliseu Alves, da Embrapa, mostra que entre 1950 e 1990 a demanda de alimentos no Brasil cresceu 6% ao ano, exigindo e estimulando o crescimento da produção agrícola. Em excelente trabalho, intitulado Transformação da Agricultura Brasileira e a Pesquisa Agropecuária, comprova que o setor rural, como resultado dos investimentos tecnológicos, se capacitou para superar o crescimento populacional. Felizmente. Resumo da história: se a produção rural não tivesse correspondido, aprimorando-se para gerar os excedentes capazes de alimentar milhões, São Paulo estaria mais triste no seu 456º aniversário. Este é o presente que a metrópole ganha, de forma quase anônima, dos agricultores paulistas e brasileiros. Benjamin Franklin disse certa vez que, "se as cidades forem destruídas e os campos forem conservados, as cidades ressurgirão, mas se queimarem os campos e conservarem as cidades, estas não sobreviverão". Belo ensinamento.

Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xico@xicograziano.com.br Site: www.xicograziano.com.br

domingo

A moral petista


PT resgata seus mensaleiros e aloprados para tentar eleger Dilma

O PT oficializou ontem (23) a volta de nomes envolvidos no escândalo do mensalão à direção do partido. Conforme indicação da corrente majoritária da legenda, a CNB (Construindo um Novo Brasil), José Dirceu, João Paulo Cunha e José Genoino irão compor o novo Diretório Nacional, que tomará posse no mês que vem.

A campanha da candidata do partido à Presidência, ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), promoverá outra reedição: a do grupo de sindicalistas bancários que originou os "aloprados" e desempenhará funções estratégicas, como a centralização da captação de recursos. Leia mais...

quinta-feira

Fraudes confirmadas

Auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) identificou uma cadeia de fraudes praticadas pela Fundação José Sarney ? criada pelo presidente do Senado, José Sarney, para preservar a sua memória ? na execução de um projeto de R$ 1,3 milhão, patrocinado pela Petrobrás.

A investigação do órgão federal comprovou o uso, pela Fundação, de notas frias e calçadas (com divergência de valores), transações com empresas fantasmas e de fachada, contratações irregulares, falta de comprovação de serviços e outras falcatruas praticadas no bojo de um projeto cultural que nunca saiu do papel. As irregularidades praticadas na Fundação José Sarney já haviam sido divulgadas em ampla reportagem publicada pelo Estado em 9 de julho do ano passado.

A verba da Petrobrás fora transferida para a Fundação Sarney em 2005. A Petrobrás repassou o dinheiro pela Lei Rouanet, que garante incentivos fiscais a empresas que investem em projetos culturais. A reportagem do Estado revelou que, do R$ 1,3 milhão repassado, pelo menos R$ 500 mil foram parar em contas de empresas prestadoras de serviços com endereços fictícios e até em uma conta paralela que nada tem que ver com o projeto. Parte do dinheiro foi para a TV Mirante e duas emissoras de rádio, a Mirante AM e a Mirante FM, de propriedade da família Sarney. Durante a tramitação do processo de captação de recursos incentivados, o senador José Sarney enviou um bilhete ao então secretário-geral e hoje ministro da Pasta da Cultura, Juca Ferreira, pedindo que o patrocínio fosse "agilizado". Em São Luiz, a reportagem comprovou que o projeto não saiu do papel.

Os auditores da CGU também estiveram na capital maranhense e constataram que a Fundação José Sarney apresentou, em sua prestação de contas, notas fiscais de empresas com endereços falsos. É o caso, por exemplo, do Centro de Excelência Humana Shalom, que supostamente deveria prestar serviços de consultoria à Fundação. O Estado já havia informado, e a CGU comprovou, que tal empresa não existe. "Não foi localizada nem no endereço indicado em suas notas fiscais nem no endereço declarado à Receita Federal", relataram os auditores. Eles encontraram, no entanto, os supostos donos da empresa, mas "o sócio se mostrou evasivo quando solicitado a especificar os trabalhos por ele desenvolvidos". A mesma empresa aparece na relação de contratadas que, segundo a Controladoria, "não executaram serviços" de digitalização do acervo do museu da Fundação ? que tem o senador maranhense pelo Amapá como seu presidente vitalício. As fraudes eram grosseiras, como esta descrita pelos auditores: "Cinco notas fiscais possuem frequência cronológica de emissão incompatível com sua sequência numérica."

Os auditores também encontraram irregularidades na contratação da MC Consultoria ? outra empresa com endereço fictício ? e da Ação Livros e Eventos. A Controladoria requer a devolução do dinheiro pago a essas empresas, por serviços que elas não prestaram. Além disso, de acordo com o demonstrativo de execução de serviços e comprovantes de notas fiscais apresentados ao Ministério da Cultura, a Controladoria-Geral da União descobriu que a Fundação José Sarney teria sonegado R$ 79 mil em notas fiscais; que usara R$ 129 mil, destinados ao projeto, para a manutenção da própria entidade ? R$ 102 mil gastos em energia elétrica, R$ 15 mil em alimentação e R$ 11 mil em impostos ?; que parte do dinheiro da Petrobrás foi usada para contratar empresas de funcionários da própria Fundação.

Recorde-se que o presidente do Senado anunciou, em novembro, a decisão de fechar a Fundação José Sarney, alegando que não havia mais condições para mantê-la funcionando. Não fechou. As irregularidades praticadas na entidade motivaram pedido de abertura de processo no Conselho de Ética no Senado contra o senador pelo Amapá, mas seus aliados arquivaram a representação, sob a alegação de que a reportagem do Estado não poderia ser usada como prova e a CGU ainda auditava as contas do projeto patrocinado pela Petrobrás. Agora, as fraudes estão oficialmente confirmadas.

Fonte: Estadão, publicado em 19 de Janeiro de 2010
Charge publicada no http://brazilinhotpants.wordpress.com/

Luiz Inácio Lula da Silva - sim, “O Cara” - resolveu fazer a sua própria Constituição.

fonte imagem

O SUPOSTO DECRETO DOS DIREITOS HUMANOS PREGA UM GOLPE NA JUSTIÇA E EXTINGUE A PROPRIEDADE PRIVADA NO CAMPO E NAS CIDADES. ESTÁ NO TEXTO. BASTA LER!!!

Lula assinou um decreto que tem o fedor de um golpe de estado branco. E não falta ao texto nem mesmo o AI-5 do lulo-petismo. Está anunciando uma espécie de programa de governo de Dilma Rousseff. Explico com um pouquinho de história.

O Regime Militar instituído em 1964 foi mais explícito e mais modesto. Por intermédio do Ato Institucional nº 4, concedeu ao Congresso - já expurgado dos “indesejáveis” - poderes constituintes e “cobrou” uma nova Constituição, que entrou em vigor em março de 1967. Seu objetivo era institucionalizar os marcos da “revolução”. Em 13 de dezembro do ano seguinte, viria o famigerado AI-5. Juntado à Carta, ele suspendia, a depender da vontade do governo, algumas garantias que ela própria, embora autoritária, assegurava. Lula preferiu fazer a sua “miniconstituinte” por meio de um decreto. Refiro-me àquela estrovenga chamada Programa Nacional dos Direitos Humanos (o nome é pura “novilíngua” orwelliana), consubstanciado no decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009. É aquela peça tramada por Dilma Rousseff, Franklin Martins, Paulo Vannuchi e Tarso Genro, sob as bênçãos de Lula, que tenta revogar a Lei da Anistia e que gerou uma crise militar.

Ocorre, meus caros, que esse dado do decreto, acreditem!, está longe de ser a sua pior parte. A íntegra do documento está aqui.

Vazado numa linguagem militante, que manda o saber jurídico às favas em benefício do mais escancarado, chulo e asqueroso proselitismo, o texto busca cantar as glórias do “novo regime” - o lulo-petismo -, tenta institucionalizar a patrulha ideológica no país como matéria de formação da cidadania, extingue o direito de propriedade e, POR QUE NÃO?, NO MELHOR MODELO CHAVISTA, CRIA UM OUTRO PODER ACIMA DA JUSTIÇA. Os direitos humanos, assim, são apenas a aparência civilizada de um claro, óbvio e insofismável esbulho constitucional.

Artigo completo aqui

terça-feira

A Petrobrás de Gabrielli


João Almeida

A entrevista de José Sérgio Gabrielli ao Estado ("PSDB teria vendido a Petrobrás", 25 de dezembro de 2009, página B1) marca a volta triunfante à cena política do presidente da Petrobrás depois do estrangulamento governista da CPI do Senado que deveria ter investigado a gestão do petista na companhia (http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091225/not_imp486802,0.php).


Poupado de qualquer questionamento sobre as graves suspeitas de irregularidades que motivaram a instalação da CPI e de outras perguntas "inconvenientes", Gabrielli ficou à vontade para usar e abusar das meias-verdades e absolutas mentiras com que os petistas costumam fantasiar seus supostos êxitos e a "herança maldita" do governo anterior.

É preciso reconhecer, sem nenhum favor, que ele se superou nesse mister. O atestado de "idoneidade" que ganhou do próprio líder do governo, senador Romero Jucá, no relatório final da CPI, talvez tenha subido à cabeça do principal responsável direto pela transformação da maior empresa do Brasil em comitê político do PT e aliados. Se não fosse a intervenção providencial do presidente Lula - por intermédio de seu fiel escudeiro Gabrielli, subentende-se -, a Petrobrás "teria investimento e crescimento menores do que teve. Provavelmente teria menos preocupação com o controle nacional, portanto, teria menos impacto no estímulo da indústria brasileira."

Começando pelos resultados, que são o que interessa ao País: ao contrário do que sugere Gabrielli, a produção de petróleo da Petrobrás cresceu muito menos no governo Lula do que no governo FHC. Foram meros 3% ao ano, em média, desde 2003, ante 10% ao ano entre 1995 e 2002. O que cresceu mais no governo Lula foi o faturamento da empresa, por causa do boom dos preços internacionais do petróleo. Somente por isso. Foi esse aumento extraordinário da receita da companhia, provocado pelo aumento dos preços promovido pelos sheiks árabes, que encobriu os efeitos da péssima gestão petista.

A Petrobrás entrou na rota do crescimento acelerado a partir da vigência da Lei do Petróleo de 1997 e da reorganização interna que preparou a companhia para atuar num ambiente de competição. Isso sem que o Estado brasileiro tivesse de abrir mão do controle do ritmo de exploração das reservas de petróleo, das receitas respectivas, nem do fortalecimento dos outros elos da cadeia produtiva do petróleo com os instrumentos previstos na lei.

A Petrobrás que chegou ao pré-sal foi aquela que saiu das reformas de 1997. Sua profissionalização, não o seu aparelhamento político, a transformou numa multinacional brasileira bem-sucedida - uma das gigantes da indústria petrolífera, na vanguarda tecnológica de exploração de petróleo em águas profundas. Cabe reconhecer dois feitos espetaculares da gestão petista da Petrobrás: o quadro de pessoal saltou de 45 mil empregados efetivos e 100 mil terceirizados em 2002 para 85 mil efetivos e 300 mil terceirizados em 2008; e os negócios obscuros sangram o enorme caixa da companhia - números sobre produção e pessoal da Petrobrás citados por Luiz Paulo V. Lucas na reportagem PSDB busca agenda para oposição a Lula (Estado, 23/2/2009, http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090223/not_imp328581,0.php).

Entregue a pressões e manipulações políticas de todo tipo, a Petrobrás petista conseguiu o prodígio de entrar em dificuldades financeiras com o preço do petróleo nas nuvens, em 2008. Dizem que o melhor negócio do mundo é uma empresa petrolífera bem administrada e o segundo melhor, uma empresa petrolífera mal administrada. A administração encabeçada por Gabrielli garantiu um lugar à parte nessa escala de (in)competência, ao colocar uma empresa do porte da Petrobrás na UTI das manobras tributárias e injeções de dinheiro de bancos oficiais. Algo nunca antes registrado na história deste país e, possivelmente, do mundo.

É de uma desfaçatez sem limite que Gabrielli, com essa folha de serviços, se arvore em defensor da Petrobrás contra o fantasma muito invocado e nunca materializado de uma suposta ameaça de privatização. Das ameaças reais ao caixa, à eficiência e à capacidade de expansão da empresa os atuais responsáveis, incluindo Gabrielli, livraram-se de prestar contas à CPI. Não deixarão de responder por isso ao Tribunal de Contas da União, que já apontou graves irregularidades em contratos da companhia com fornecedores, e ao Ministério Público Federal, ao qual o PSDB encaminhou 18 pedidos fundamentados de investigação.

Quem privatiza a Petrobrás por vias tortas, de forma desavergonhada, é o próprio Gabrielli e os apaniguados de seu partido. São eles que confundem uma empresa de economia mista com o fundo do quintal da sua organização político-negocial. São eles que usam as verbas de patrocínio da companhia como uma espécie de orçamento paralelo, livre do crivo do Congresso, no melhor estilo da estatal petrolífera venezuelana nas mãos de Hugo Chávez. Foram eles, aliás, que entregaram o patrimônio nacional a estrangeiros sem um gesto de defesa no vergonhoso episódio da expropriação da refinaria da Petrobrás na Bolívia. Tudo isso e muito mais sob os olhos cegos ou cúmplices da ministra Dilma Rousseff, presidente do conselho de administração da companhia.

Gabrielli falou como alguém que de fato é: um instrumento de um projeto de poder que pretende substituir a direção das estatais pelo partido, o comando dos fundos de pensão pelo partido, os Ministérios pelo partido, a sociedade pelo partido...

Os que, como nós, realmente valorizam a Petrobrás querem-na sob o controle do povo brasileiro, não sob o controle do partido que a explora.

A Petrobrás precisa ser reestatizada: precisa sair da esfera do controle privado petista para ser devolvida à Nação brasileira.

Publicado no Estadão. João Almeida, geólogo, é deputado federal (PSDB-BA), líder eleito da bancada do partido em 2010