Discurso do Senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), em 13.03.2008, no Senado
Estamos passando por uma fase no País em que o Presidente da República faz tudo, muito mais do que fizeram, em regime de exceção, os generais ditadores. A sessão de anteontem, portanto, não poderia passar sem um registro de nossa parte.De forma que essa sessão de ontem não poderia passar, Sr. Presidente, Srs. Senadores, sem um registro da nossa parte. Eu não tenho papel de liderança aqui, sou um dissidente do meu Partido, o PMDB, mas não poderia deixar de registrar o meu repúdio, a minha indignação a esse comportamento. A medida provisória, por si só, já proíbe, já não permite uma discussão. E, aqui, a liderança do Governo, por porta de travessa, arrumou um expediente, dentro desta Casa, para restringir, ainda mais, o debate, estabelecendo número de oradores para se discutir a medida provisória presidencial, que criava a TV pública nacional. É realmente inconcebível, é intolerável, engolir isso, passar-se pela tarde de anteontem, e pela madrugada de ontem, sem um protesto - e um protesto veemente – pela insanidade cometida, aqui, no plenário deste Senado.
Nós tivemos, como chamou a atenção a atuante Senadora, por Tocantins, Kátia Abreu, um final de ano, aqui, no plenário do Senado, que chamou a atenção de todo o País. A Oposição com um mínimo de organização, conseguiu derrotar a renovação, mais uma vez, da CPMF. E a maioria dos Senadores que, aqui votou – essa maioria que votou – votou para reduzir a carga tributária. Naquele momento, não se estava votando contra o Presidente Lula; não se estava votando contra o PT; não se estava votando contra quem quer que fosse. Estava se votando, de forma clara, bastante transparente, a favor da redução da carga tributária. O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo. Cresce, como está crescendo, e cresceria muito mais, se o Presidente cuidasse da infra-estrutura do País. Estamos exportando, mas se exportaria muito mais, se tivéssemos estrada-de-ferro, rodovias, aeroportos, portos. aeroportos, portos. Não temos nada disso e o País consegue o milagre ainda de ter uma pauta de exportações bastante saudável. Nossa luta se deu no sentido de redução da carga tributária.
Acabou o ano, Sr. Presidente, com a promessa solene de Sua Excelência o Presidente da República e a Liderança do Governo aqui de que não haveria substituto para a CPMF. O Governo tinha absorvido a derrota, reconheciam alguns setores do Governo que a carga tributária estava excessiva e que o Governo ia procurar entrar 2008 sem aumentar impostos. Mentira! Tudo mentira! Começou o mês de janeiro e o Presidente da República anunciou aumento de novos impostos. O Ministro Guido Mantega teve a desfaçatez de ir à televisão para dizer que aquela promessa era até o dia 31 de dezembro, que, a partir do dia 31 de dezembro, o Governo estava livre para arrumar um substituto, algo que substituísse a ausência da CPMF.Mas vejam V. Exªs, Sr. Presidente, Srs. Senadores, algumas manchetes:
O Estado de S.Paulo, de 27 de fevereiro deste ano: “Receita cresce 20% após fim da CPMF. O fim da CPMF não afetou o desempenho da arrecadação de impostos e contribuições federais”.
Valor Econômico, jornal específico sobre assuntos econômicos: “O impressionante salto das receitas federais em janeiro”, um editorial de três de março do corrente.
Outra matéria: “Gastos e carga tributária elevada são mantidos”.
Sr. Presidente, a impressão que se tem é a de que o Presidente da República quer fazer o País de tolo, de bobo e a população, de idiota. As instituições não são respeitadas. Recentemente, tivemos uma agressão ao Judiciário na pessoa – nada mais, nada menos – do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o Ministro Marco Aurélio Mello, que pode até ter provocado um equívoco de estar se antecipando, dando opiniões sobre processos que não lhes chegaram ainda às mãos, mas nada merecia o ataque que foi deferido, no Nordeste, pelo Presidente da República, de forma desmoralizante e contra um dos poderes. Eu não estou falando de órgãos, estou falando do Poder Judiciário.
Sr. Presidente, os assuntos aqui – assuntos menores – andaram tomando conta disso e o Presidente foi poupado de uma análise maior do Plenário do Senado Federal. É verdade que vários Senadores abordaram o assunto – que aconteceu num final de semana – e denunciaram, mas esse assunto passou ao largo. Porém, no dia 1º de março, ele mereceu um editorial – não é uma opinião política, é um editorial – da Folha de S. Paulo, com o título “Território invadido”. “Ataques do Presidente Lula a um Ministro do Supremo são espetáculo constrangedor de descontrole e truculência. Quem entrou em cena numa cerimônia realizada, anteontem, em Aracaju, foi um Presidente da República desequilibrado e truculento, vociferando do palanque despropositadas provocações a um Poder autônomo da República.”
É a Folha de S.Paulo, não é nenhum colunista. É o Conselho Editorial que orienta a fazer o editorial. Quero que faça parte integrante da minha fala esta opinião da Folha, com o título: “Território invadido”.
O Globo também não ficou atrás, e aí não mais por meio de editorial, mas da palavra do seu colunista Merval Pereira, que diz: "Lula revela todo o seu autoritarismo e presta um desserviço à democracia quando, fazendo política de palanque, investe publicamente contra o Judiciário".
São coisas que têm que ficar registradas no plenário, Sr. Presidente, Senador Alvaro Dias, porque, por exemplo, tive uma experiência, lá atrás, de combate à ditadura. E quanto mais forte e exorbitante a ditadura, quanto mais ela gritava, quanto mais ela matava, seqüestrava, mais nos dava ânimos de lutar contra o seu fim, de ver o seu fim.Para mim pouco importa se Lula tem 70% ou 80%, se, no meu Estado, Estado natal dele também, ele tem 80%, porque quando ele disputou a Presidência da República, eu votando contra ele, tivemos votações quase que assemelhadas.Então, isto não me causa nenhuma inquietação, nenhuma mossa: o Presidente da República estar num patamar muito elevado de popularidade.
Mas ele não pode continuar desmoralizando o Judiciário; não dar a mínima atenção ao Tribunal de Contas da União; passar a mão na cabeça de corruptos, como fez e como faz constantemente; dizer que uma Ministra, que se atrapalhou com o dinheiro público, que fez compras em free shop, nada deve e que ela deve sair de cabeça erguida. E a própria Procuradoria-Geral da República incriminar essa Ministra e mandá-la devolver o dinheiro.Essas coisas, Sr. Presidente, têm que ter um fim e têm que ser registradas aqui. O Presidente da República não leva mais em conta o Judiciário. O TCU para ele não vale nada, é um lugar de políticos aposentados, segundo voz corrente dentro do Palácio do Planalto. Uma tentativa clara e transparente de desmoralização do Congresso Nacional. A Câmara não precisa se desmoralizar porque vive completamente manietada pelo Palácio do Planalto; o Senado, que tem uma maioria escassa com relação ao Governo, o Presidente Lula tenta calar e tenta desmoralizar.
Portanto, se não formos para o enfrentamento, os partidos de Oposição – o PSDB, o DEM e outros partidos – se deixarmos a coisa eleitoral de lado... Porque a coisa eleitoral está sendo colocada pelo Presidente da República, que usa um avião pago por todos nós e está disposto a sair toda semana, duas vezes, para fazer comícios no interior. Está registrado hoje em todos os jornais que ontem foram distribuídas cinco mil marmitas aqui, foram convidadas não sei quantas pessoas ali, o Presidente leva dinheiro, enfim. E se esta Casa fica calada...
Porque a mídia, que tem tido um papel altivo, a Presidência da República não leva em nenhuma consideração, em nenhuma consideração: Estado de S. Paulo – por meio de seus editoriais –, O Globo, a Folha S Paulo, o Jornal do Brasil – para ficar nos maiores jornais em nível nacional. Ou seja, a mídia não tem sido levada em conta em coisa nenhuma pelo Palácio do Planalto; o Judiciário desmoralizado, o TSE mais ainda, porque quem foi atingido foi o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Eu quero saber, Sr. Presidente, onde é que vamos parar com isso. Um Presidente com uma formação autoritária, uma formação que exorbita a toda hora e a todo instante, que quer porque quer fazer com que a opinião pública entenda que quem trabalha é ele e este Congresso não trabalha. É verdade que se discute muito aqui e se vota pouco, mas se vota pouco porque as medidas provisórias trancam a pauta desta Casa. E não é, Sr. Presidente, por intermédio de medidas provisórias que se cria – para voltar um pouco atrás e falar novamente – uma TV Pública Nacional. Isso é um desrespeito não somente ao Senado, à Câmara, ao Congresso Nacional, mas também um desrespeito a todo o Brasil. Sobre isso já falou aqui, hoje, com muita competência, o nosso Senador Pedro Simon.
Com relação ao episódio que envolveu a Colômbia há cerca de dez dias, o Brasil teve um papel vergonhoso. Eu disse isso ontem ao Ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, na mesma hora em que o Congresso estava reunido para apreciar o Orçamento. Disse a ele que a aparição dele e do Governo da República na televisão foi um desastre. A coisa ficou pela metade. O Brasil insistia que a Colômbia tinha que aprofundar, fazer um novo pedido de desculpas. Tudo bem, se o Itamaraty não estava satisfeito com o pedido de desculpas que foi formalizado pela Colômbia, então deveria pedir a Colômbia para aprofundar aquele pedido de desculpas.Mas não dar uma palavra sobre uma organização que já teve uma luta ideológica, mas que hoje são um agrupamento de criminosos, de assassinos, de seqüestradores?
É inconcebível, Sr. Presidente! É inconcebível porque o Brasil nunca adotou a posição de um Presidente da República influenciar a política do Itamaraty, não permitindo que o Brasil, em uma nota clara, dura, transparente, condenasse a invasão do espaço aéreo do território equatoriano e, com a mesma dureza, com a mesma ênfase, a ação criminosa das Farc. Está aqui, Sr. Presidente, inclusive um artigo de Clóvis Rossi, que não é apenas um colunista, S. Srª pertence ao conselho editorial da Folha de S.Paulo. Diz o artigo: “O Brasil pode e deve ser neutro entre dois vizinhos, mas não pode nem deve ser neutro entre o Governo colombiano legítimo e as Farc, um grupo delinqüente.”
E as contradições não são só essas, Sr. Presidente. O Ministro Celso Amorim disse que as Farc não tem status porque o Governo brasileiro não reconhece. Não é verdade, porque, enquanto S. Exª disse isso, esse falastrão que vive lá no Palácio do Planalto, o tal do toc-toc-toc, perguntado pelo Le Fígaro, em Paris, no dia 4 de março desse mês – há apenas 12 dias –, também disse o seguinte sobre a relação do Brasil, do Governo brasileiro, com as Farc: “Lembro-lhe que o Brasil tem uma posição neutra com relação às Farc. Não as qualificamos como grupo terrorista, nem como força beligerante.” É esse homem que dita a política internacional, a política exterior do Brasil, não mais o Itamaraty.
Então, são essas coisas, Sr. Presidente, que temos que enfrentar, que a Oposição tem que enfrentar – e enfrentar como tem enfrentado –, agora, com mínimo de organização, temos que ser organizados.
Não posso dar pitaco dentro do meu Partido – porque não me deixam –, mas quero dar pitaco dentro da Oposição, onde eu me sinto inteiramente à vontade.É preciso que nos organizemos e que mostremos – quando o Presidente vai para o interior do País, faltando com a verdade, nos acusando de fazer um desvio eleitoral – os jornais do dia.
Esse, Senador José Agripino, é O GLOBO de ontem, do dia 12: "Em clima eleitoral, ataques à Oposição". Aí diz: “Num evento com ar de campanha, com discursos inflamantes, transporte gratuito e distribuição de comida, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem, na inauguração de um projeto de irrigação, que seus adversários só pensam na sucessão presidencial de 2010”.Pode um negócio desses, Sr. Presidente? Existe uma coisa dessa natureza, a pessoa fazer e nos atribuir o seu feito? Não pode! Não podemos continuar tolerando, aceitando isso todos os dias. Alguém tem que passar por esta ou por aquela tribuna, para denunciar isso.O País não pode ficar imaginando que a Oposição foi contra a TV Pública Nacional, porque era contra TV Pública. Não sou contra a TV Pública Nacional, sou contra a forma desmoralizante como foi criada, por meio de uma medida provisória.
É isso, Senador José Agripino, que tem que ser enfrentado, porque se não é enfrentado amanhã vem o arrependimento de que deveria ter dito isso, deveria ter ido à tribuna. Um presidente da república que não leva em conta o Judiciário, que desmoraliza o Judiciário, que pega o Congresso Nacional e o manda trabalhar, como se ele fosse um presidente trabalhador, que não tem o menor respeito à mídia, que tem uma equipe com estrelosos e aloprados. Quando existe alguma coisa com um estreloso desse ou com o aloprado, ele passa a mão na cabeça porque a força dele é de tal natureza na cabeça do Presidente da República que basta a palavra dele para se confrontar com o Judiciário, Tribunal de Contas da União não vale nada e, como disseram dentro do Palácio do Planalto, é um acampamento de políticos aposentados e por aí vai levando. Até quando isso vai chegar ninguém sabe.
Então, é preciso que não se deixe o Presidente fazer – estou falando de 100 dias para cá. Derrotamos a CPMF, o Presidente decretou aumento de impostos em janeiro, disse que não ia fazer mas fez, a arrecadação subiu, diz para os concursados do Brasil que a responsabilidade de não fazer concurso e nem chamar os concursados é da oposição. Lorota, lorota para não dizer mentira. Os concursados podem ser chamados porque a arrecadação está sobrando, o dinheiro sobrou.Basta ler os jornais sobre o excesso de arrecadação já em janeiro e da previsão de uma arrecadação maior ainda em fevereiro e em março.
Então, tudo isso, Senador Mão Santa, tem que ser feito, como V. Exª por dever de justiça tem feito aqui, mas tem feito sozinho. Tem feito é sem dentro de uma orientação. Tem feito sem dentro de uma organização, daqueles que relutam, não é?, e querem enfrentar essa situação que está se criando no País.
Eu não tenho posição de liderança dentro dessa Casa, pertenço a um Partido dissidente, mas não vou ficar calado. Vou me inscrever agora em todos os horários que dispuser e que tiver ao meu alcance para denunciar. Pouco importa para mim se ele já desmoralizou o Judiciário, não liga para o TCU, se ele quer investir contra o Senado, se ele não leva em conta a imprensa, se ele cria uma tevê pública através de medida provisória, não me importa. Nós vamos para o enfrentamento para depois não estar aqui choramingando pelos cantos ou dentro de casa dando satisfações aos familiares e aos eleitores de que ele devia ter feito isso e não fez.
O Presidente da República tem uma formação autoritária, altamente autoritária, tem extravasado essa sua formação autoritária e o Senado não tem por que calar nem tem por que colocar o rabo entre as pernas. Tem que levantar a cabeça, gritar, protestar, pouco importa de que isso vá, o eco disso seja pequeno. É pequeno nesse momento, mas depois cresce.Eu me lembro, eu era Deputado Estadual no Recife, só tive um mandato de Deputado Estadual, e uma vez vi uma pesquisa com Garrastazu Médice, o pior dos Generais, o mais contundente dos Generais, com 84% de avaliação política no meu Estado. Deu no que deu, uma figura repudiada, que hoje... vivia até pouco tempo dentro de um apartamento e de lá saiu para a sua... para o seu túmulo.
De forma, Sr. Presidente, que a gente tem que enfrentar essas coisas porque não é possível que CPMF, ataque ao Poder Judiciário, posição dúbia com relação ao episódio de condenação da Colômbia. Recebe, aqui, um falastrão - o Presidente do Equador – que chama de canalha o Presidente de um Estado e não recebe, aqui, nenhuma repreensão do Itamarati. Vai dizer isto para o seu povo lá no Equador mas não no Brasil, um País que tem a tradição que o Brasil. Por que ele se sentiu à vontade para dizer isto aqui? Porque deu uma declaração pela metade: o apoiou, condenou a Colômbia e exigiu nova desculpa da Colômbia nas não enfrentou os seqüestradores, os bandidos, militantes e freqüentadores da Farc. Por isto é preciso que se diga sempre isto, mesmo que não ecoe de forma maior ou num volume maior como quisermos mas tem que ser enfrentado.
Por isto, Sr. Presidente, agradeço a tolerância de V. Exª e quero, apenas para ajudar o corpo taquigráfico, pedir que faça parte do meu pronunciamento – foi um pronunciamento de improviso – as coisas que aqui me referi.Deixo aqui os documentos. Se a Taquigrafia tiver alguma dúvida, poderá me procurar depois. Eu deixo esses documentos aqui e peço a transcrição desses editoriais, tanto da Folha de S. Paulo como a Coluna de Merval Pereira do O Globo e, também, o Editorial do Estadão.