domingo

O cantor que a esquerda sepultou vivo

Um documentário narra a polêmica trajetória de Wilson Simonal, o ídolo de massas que teve a carreira destruída depois que os patrulheiros lhe colaram a pecha – injusta – de informante da ditadura

Sérgio Martins


Seu nome ainda hoje está envolto em boatos fantasiosos. Claudio Manoel lembra o absurdo que ouviu de um empresário a quem pediu patrocínio para o filme. "Ele me perguntou por que eu queria fazer um documentário sobre o cara que torturou Caetano Veloso", disse Manoel a VEJA. (Caetano, a propósito, nunca foi torturado.)

Wilson Simonal de Castro foi um dos maiores ídolos de massa que o Brasil já teve. Nos anos 60, só Roberto Carlos competia com ele em popularidade. Simonal popularizou bordões como "alegria, alegria" (que Caetano Veloso reaproveitou como título de música) e "vou deixar cair". Seus shows eram celebrações, com a participação entusiasmada dos espectadores – ele chegou a "reger" um público de 30.000 pessoas no Maracanãzinho, no Rio.

A partir de 1971, porém, Simonal foi condenado a um degredo artístico: não era mais convidado para programas de televisão, não conseguia mais gravar discos nem se apresentar ao vivo. Outros músicos recusavam-se a dividir o palco com ele. Em pleno governo Médici, período de intensa polarização ideológica, o cantor ganhou a fama infausta de colaborador do Dops, a polícia política da ditadura.

A história da ascensão fulgurante e da queda espetacular de Simonal é esmiuçada no documentário Ninguém Sabe o Duro que Dei (Brasil, 2007), em cartaz nos cinemas desde sexta-feira. Dirigido por Claudio Manoel (do Casseta & Planeta), Micael Langer e Calvito Leal, o filme também reavalia a importância artística do cantor: para além de seus supostos equívocos políticos, Simonal dominava o palco como poucos já o fizeram no Brasil.

Filho de empregada doméstica que abandonou a carreira militar – era cabo do Exército – para se tornar cantor, Simonal começou como intérprete de bossa nova. Adicionou um suingue inédito ao gênero no disco A Nova Dimensão do Samba, de 1964. A consagração popular chegou com a chamada "pilantragem", rótulo inventado por ele e seu mentor Carlos Imperial para designar suas músicas dançantes e malandras – como o grande sucesso Meu Limão, Meu Limoeiro, canção de domínio público que Simonal transformou em sua marca registrada. O cantor ficou rico e assinou contrato de publicidade com a Shell.


O filme dá amplas mostras de seu talento – como o maravilhoso dueto com Sarah Vaughan, uma das grandes damas do jazz americano. A derrocada veio com um episódio vergonhoso: em 1971, desconfiado de que fora roubado pelo contador Raphael Viviani, Simonal solicitou ajuda a dois seguranças, um deles agente do Dops, o famigerado órgão de repressão da ditadura, para resolver o caso. Viviani foi raptado, torturado e obrigado a assinar um documento no qual confessava ter desfalcado o cantor. A mulher do contador deu queixa à polícia. Simonal foi chamado a depor e tentou se esquivar das acusações da pior maneira possível: gabou-se de suas pretensas conexões com a ditadura.


Entre os depoimentos mais fortes do filme, está o de Viviani. Em sua primeira entrevista sobre o caso, o contador relata como teria sido torturado pelos gorilas do Dops, a mando de Simonal. O episódio é estarrecedor, mas não foi isso que determinou o ostracismo de Simonal. Nunca comprovada, a acusação de que ele seria um informante das forças da repressão pode ter nascido de suas bravatas, mas foi incendiada pela sede de justiçamento moral da esquerda de então.

Embora nunca se tenha sabido de um só preso político denunciado por Simonal, a pecha de dedo-duro colou-se ao cantor. Foi muito repisada pelo jornal alternativo O Pasquim. Isolado, deprimido, Simonal acabou se entregando ao alcoolismo. Morreu de problemas no fígado, aos 61 anos, em 2000. Seu nome ainda hoje está envolto em boatos fantasiosos. Claudio Manoel lembra o absurdo que ouviu de um empresário a quem pediu patrocínio para o filme. "Ele me perguntou por que eu queria fazer um documentário sobre o cara que torturou Caetano Veloso", disse Manoel a VEJA. (Caetano, a propósito, nunca foi torturado.)

O Brasil de hoje conhece muitos patrulheiros da correção política, mas, assim como não se concebe mais a censura às artes e à imprensa, não existe mais clima para tamanho linchamento político. Foi a atmosfera de radicalização ideológica da ditadura que permitiu o enterro em vida imposto a Simonal. Mas isso só não explica inteiramente o caso. Outros artistas e intelectuais, como Nelson Rodrigues e Gilberto Freyre, apoiaram publicamente a ditadura. Foram atacados por isso, com toda a razão, mas não silenciados como Simonal foi.

Negro de origem pobre, ele gostava de ostentar sua riqueza, com roupas extravagantes e carros de luxo – e ainda tinha o desplante de namorar mulheres brancas. Um certo componente de preconceito social e racial contribuiu para a desgraça do cantor. E é por isso que, em retrospecto, ganha um sabor tão amargo a imagem, recuperada pelo filme, em que Simonal finge ouvir de seu anjo da guarda o seguinte alerta: "Simona, ou você vai ser alguém na vida, ou vai morrer crioulo mesmo".

6 Comments:

At 4:07 PM, Blogger Marcos Pontes said...

O peixe morre pela boca, Simonal, um puta cantor, inigualável, talentosíssimo, decretou sua morte pela empáfia. Uma pena.

 
At 11:14 PM, Blogger Fusca said...

Caro Ex-petista, indiquei seu blog para o premio Blog Dorado, criado pelo blog do Klausewitz http://blogdoclausewitz.blogspot.com/
é só copiar o selo do meu blog e adicionar no seu blog, indicando outros blogueiros que lutam contra as ditaduras lulopetistas, bolivarianas, e totalitarismos em geral, pela redemocaratização do Brasil.

 
At 5:04 PM, Anonymous Anônimo said...

parabens pelo blog...
Na musica country VIRGINIA DE MAURO a LULLY de BETO CARRERO vem fazendo o maior sucesso com seu CD MUNDO ENCANTADO em homenagem ao Parque Temático em PENHA/SC. Asssistam no YOUTUBE sessão TRAPINHASTUBE, musicas como: CAVALEIRO DA VITÓRIA, MEU PADRINHO BETO CARRERO, ENTRE OUTRAS...
é o sonho eterno de BETO CARRERO e a mão de DEUS.

 
At 6:55 AM, Blogger 艾丰 said...

jianbin1230
swarovski outlet
ugg outlet
nike huarache
oakley sunglasses wholesale
cheap nfl jerseys
michael kors outlet store
rayban sunglasses
ray ban sunglasses outlet,ray ban usa,ray ban sunglasses,ray ban,rayban,ray bans,rayban sunglasses,cheap ray ban,ray ban outlet,ray-ban,raybans,ray ban wayfarer,ray-ban sunglasses
ferragamo outlet
oakley sunglasses
true religion jeans,cheap true religion jeans,true religion jeans wholesale,true religion outlet,true religion sale,true religion outlet online
christian louboutin shoes
nike air max
michael kors handbags,michael kors outlet,michael kors outlet online,michael kors,kors outlet,michael kors outlet online sale,michael kors handbags clearance,michael kors purses,michaelkors.com,michael kors bags,michael kors shoes,michaelkors,cheap michael kors
cheap uggs
michael kors outlet
ugg outlet
black friday
oakley canada

 
At 6:18 AM, Blogger 柯云 said...

2016-07-02keyun
instyler
tory burch outlet
coach outlet
air jordan shoes
ray bans
kate spade
oakley sunglasses wholesale
polo outlet
fitflop shoes
ralph lauren outlet
giuseppe zanotti outlet
michael kors outlet
hollister jeans
nike air huarache
adidas outlet store
nike air max 90
kobe shoes
louis vuitton outlet
ralph lauren
oakley sunglasses wholesale
michael kors purses
michael kors handbags
louis vuitton outlet stores
adidas stan smith
tory burch sandals
christian louboutin sale
michael kors outlet clearance
ray ban sunglasses outlet
michael kors
timberland boots
coach outlet online
cheap jerseys
concord 11
kate spade outlet
replica watches
coach outlet
coach outlet online
air jordan shoes
oakley outlet

 
At 2:26 AM, Blogger te12 said...

qzz0727
michael kors handbags
hermes birkin
toms shoes
wellensteyn jackets
canada goose jackets
kate spade outlet
cheap jordans
mulberry handbags
polo ralph lauren
nike foamposite

 

Postar um comentário

<< Home