terça-feira

O ''carnaval vermelho''

Editorial Estadão

"Já que não podemos ocupar, queremos denunciar à sociedade que são terras públicas, griladas, ou fazendas improdutivas que devem ser destinadas para a reforma agrária" (José Rainha Júnior, invasor de 70 fazendas durante o carnaval)

Certamente o emessetista dissidente José Rainha Júnior julga ter credibilidade suficiente para que sua "denúncia" seja prontamente acatada pela sociedade).


O Movimento dos Sem-Terra (MST) tem se mantido rigorosamente fora da legalidade, sem registro de pessoa jurídica ou de quaisquer outros que lhe confiram existência oficial, como estratégia para não ser atingido pelas consequências dos atos criminosos que pratica, e para não ter de prestar contas das verbas públicas que recebe, por meio de entidades "laranjas". Essa estratégia, porém, tem seu preço. Esse movimento dito "social" não tem meios de impedir que dissidentes ou grupos que se organizem para praticar esbulhos possessórios, depredar ou devastar fazendas, como habitualmente faz o MST, utilizem seus símbolos e bandeiras, encampando sua "marca", mesmo à revelia de suas lideranças. É isso o que tem feito o dissidente José Rainha Júnior.

Na ação que chamou de "carnaval vermelho", pretendia montar acampamentos na entrada de 61 fazendas nas regiões do Pontal do Paranapanema e Alta Paulista, atingindo 36 municípios. Mobilizando cerca de 5 mil pessoas e utilizando caminhões, carros e ônibus, a operação de Rainha ultrapassou suas expectativas e atingiu 70 fazendas, com novos acampamentos montados na região de Araçatuba. Segundo Rainha, era preferível acampar na entrada das fazendas - e não ocupá-las - porque o Incra está proibido, por lei, de desapropriar fazendas invadidas, dentro do programa governamental de reforma agrária. É, de fato, surpreendente, o "respeito" demonstrado por Rainha a esta lei, do tempo do governo FHC - destinada a desestimular o esbulho - e que não tem sido lá muito respeitada no governo Lula.

"Já que não podemos ocupar, queremos denunciar à sociedade que são terras públicas, griladas, ou fazendas improdutivas que devem ser destinadas para a reforma agrária", afirmou o emessetista dissidente, fazendo colocar na entrada das fazendas "denunciadas", misturadas com bandeiras vermelhas do MST, faixas com os dizeres: "Esta fazenda pertence à reforma agrária." Certamente Rainha julga ter credibilidade suficiente para que sua "denúncia" seja prontamente acatada pela sociedade. Mas, como a entrada de uma fazenda é de domínio público e ocupá-la significa impedir o livre trânsito das pessoas, a aceitação da nova estratégia nem sempre foi pacífica. Em pelo menos seis fazendas houve invasão efetiva, com derrubadas de cerca e tudo o mais.

Seguranças da Fazenda São João, em Mirante do Paranapanema, no Pontal, reagiram à ocupação da estrada de acesso à fazenda. O conflito - felizmente sem feridos - foi mediado pela Polícia Militar. O coordenador local dos sem-terra, João da Silva, afirmou que os "jagunços" contratados pela fazenda ameaçaram voltar à noite para "liquidar" os manifestantes. Contou que os homens tinham "armas compridas", possivelmente carabinas e espingardas. Mas a Polícia Militar informou que os seguranças portavam armas registradas e eram funcionários de empresa de segurança legalizada. Já a Fazenda Bandeirantes, em Salmourão, na Alta Paulista, obteve da Justiça uma liminar dada em interdito proibitório - medida judicial de proteção à propriedade - em razão de 200 emessetistas dissidentes estarem ocupando os limites da fazenda. Com essa medida, havendo descumprimento, a polícia pode ser acionada para prender os invasores.


É sintomático o fato de o líder Rainha Júnior ter criticado, especialmente, a circunstância de a liminar ter sido dada num dia em que o fórum estava fechado - ou seja, no feriado de carnaval. Isto significa que o dissidente Rainha, além de se utilizar dos mesmos métodos do movimento "original" dos sem-terra, também compartilha da mesma expectativa de impunidade. Esses grupos são iguais na violência e na crença de que a Justiça não funciona no campo, a propriedade rural não usufrui da proteção que lhe garante a Constituição e, em consequência, o esbulho possessório é iniciativa fácil e sem riscos, só dependendo da capacidade de arregimentar e organizar militantes para sua execução. Só que, como temos apontado nesta página, esse quadro está se alterando: a Justiça começa a se mostrar ativa no campo.