sexta-feira


A Serra o que é de Serra

Roberto Macedo

Duas recentes matérias de jornais afirmaram que Serra e Lula têm desempenho fiscal semelhante (Valor, dia 10, e este jornal, dia 11). Surpreso com seu teor, vi como fonte um estudo do economista-chefe do Santander, Alexandre Schwartsman, muito crível no setor financeiro e na área acadêmica. Perguntei-me: como veio essa conclusão, a contrariar o que até aqui diziam a imprensa e, na área federal, vários estudos de autores igualmente críveis?

Em Brasília está Lula, gastador-mor por convicção e pela ocasião dada pela bonança externa que marcou seu governo até 2008, a qual trouxe mais crescimento, mais tributos e evitou crises externas mais sérias. E opera também sem limites para o endividamento federal. Mais recentemente, fez do PAC e dos seus maiores gastos o carro-chefe para ter a ministra Dilma como sucessora.

É um baita empregador, pois já admitiu perto de 110 mil servidores, e elevou fortemente os salários da ampliada elite do funcionalismo federal. Segundo estudo do economista Raul Velloso, os gastos (deflacionados) de Serra com pessoal subiram 11,3% entre 2006 e 2009 (seu mandato começou em 2007); os de Lula, no mesmo período, quase três vezes mais (29,6%). Com fortes atrativos, os concursos federais atraem milhões de interessados, e há os muitos admitidos na corte sem concurso.

Em São Paulo, Serra enfrenta a crônica carência de recursos típica dos Estados, para o muito que - mais que a União - têm a fazer em áreas como educação, segurança pública e saneamento, com limites rigorosos ao endividamento. Carência essa que o levou a aceitar a federalização do Banco Nossa Caixa. E segue segurando daqui e dali, inclusive a arrecadação de ICMS, com a tal "substituição tributária", impopular entre muitos empresários, e a Nota Fiscal Paulista, esta muito "pop" (tem 7,2 milhões de inscritos e já lhes creditou a enorme cifra de R$ 2,09 bilhões!). Buscando dinheiro aqui e acolá, toca um enorme programa de obras, algumas saltando aos olhos, como o Rodoanel e o Metrô paulistano, e muitas mais, como a recuperação e ampliação de estradas vicinais e dezenas de escolas técnicas.

Assim, procurei ver para crer o estudo do Santander, gentilmente enviado pelo próprio autor, com o título A fria realidade dos números. Da Fazenda estadual e no site www.fazenda.sp.gov.br obtive mais dados, e confirmei o que imaginava.

De início, ainda que sem enfatizar isso, o próprio estudo do Santander faz justiça a Serra como grande investidor público. Assim, na formação de capital, como estradas e outras obras, os números (que excluem as empresas estatais, mas incluem transferências a estas para tal finalidade, como ao Metrô) revelam que passou de 0,9% do PIB estadual em 2006 para 1,7% do PIB em 2009, ou seja, quase o dobro. Enquanto isso, no governo Lula subiu de 0,7% do PIB nacional para 1,1% no mesmo período.

Schwartsman, contudo, põe maior ênfase nas despesas correntes (com pessoal e outras não-financeiras) e concluiu que as estaduais passaram de 7,8% a 9,1% do PIB entre 2006 e 2009, um acréscimo de 1,3% do PIB. Isso o levou a concluir que cresceram mais que os investimentos, estes em 0,8% do PIB (1,7% menos 0,9%, já citados). Ainda assim, deixou de acrescentar que, relativamente ao ano-base, mesmo com esses números o aumento dos investimentos foi maior (89%) que o das despesas correntes (17%).

Em relação a essas despesas correntes, há a conclusão maior, e que levou às manchetes de jornais citadas. Sempre de 2006 a 2009, no governo Lula tais despesas passaram de 16,2% do PIB a 17,1% (mais 0,9% do PIB), aparentemente crescendo menos do que em São Paulo, pois aqui o aumento teria sido de 1,3% do PIB, conforme o parágrafo anterior. Ora, isso surpreende quem sabe dos apertos do governo Serra, inclusive reclamações de funcionários, exceto dos que vão para cargos federais, onde prevalece o silêncio dos muito satisfeitos.

Entretanto, essa conclusão resultou de uma tecnicalidade envolvida, mas não percebida, a qual funcionou como uma armadilha em que eu também, talvez, cairia, exceto pelo fato de que minhas convicções fariam mais perguntas aos dados para me convencer do que mostravam.

Além de gastos de pessoal, há nessas despesas correntes o item "outras", que surpreendentemente cresce 1,8% do PIB no mesmo período, sendo 1,7% do PIB apenas entre 2006 e 2008! Ora, em 2007 surgiu a São Paulo Previdência (SPPrev), mudando a forma de contabilizar os encargos previdenciários do Estado. Progressivamente, ela passou a receber as contribuições dos servidores e do Estado e a fazer os vultosos pagamentos devidos a aposentados e pensionistas, sendo fortemente deficitária. A tecnicalidade surge porque isso leva a uma dupla contagem de despesas pelas regras contábeis aplicáveis, conforme se vê no site citado. Ou seja, uma vez como obrigações patronais da administração direta, mais o déficit; outra, como outras despesas da SPPrev, da administração indireta - o que não foi percebido pelo estudo do Santander.

Feitos os ajustes, conforme calculados pela Fazenda estadual, o aumento das despesas correntes foi de 6,57% do PIB em 2006 para 6,61% em 2009 e, portanto, insignificante, o que muda radicalmente as conclusões do estudo do Santander.

Escrito em inglês e distribuído aqui e no exterior, ele também entra pelo terreno eleitoral e especula quanto à firmeza fiscal de Serra e de Dilma, o que levou as citadas reportagens a propagar que sob este aspecto não se deveria esperar mais do primeiro do que da segunda.

Contudo, com essa revisão dos dados, o que se conclui mesmo é que Serra é fiscalmente mais firme do que Lula e que Dilma é uma incógnita, na melhor das hipóteses. Na pior e mais verossímil, seguiria a cartilha de seu chefe, da qual também é redatora.

Roberto Macedo, economista (UFMG, USP e Harvard), professor associado à Faap, é vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo

2 Comments:

At 12:01 PM, Blogger Sandro Stahl said...

Interessante que o que é aumento de gastos no governo federal (PAC) no governo estadual é investimento (rodoanel, que leva dinheiro do PAC por sinal). Quantos funcionários tinha a nossa caixa? deixaram de ser servidor estadual para ser federal, esse é só um exemplo. Em quanto aumentou o número de funcionários da Petrobras e tantas outras estatais? Como pode um país crescer, sem aumentar o número de servidores? O Brasil tem menos funcionários públicos que Estados Unidos, França, Espanha, Alemanha, Austrália, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Argentina,Uruguai, Paraguai. Nota-se meu caro, que o texto que você coloca aí como um mantra a ser seguido, nada mais é do que uma defesa do governador de São Paulo.
Numa comparação numero de servidores por habitantes, o Brasil fica atrás de países como o México por exemplo, que não atende sua população melhor que o Brasil.
Espero que ao deixar de ser petista não tenha deixado de ser também um democrata e publique meu comentário. Digo isso porque muitos que defendem a direita, não gostam de publicar o contraditório a suas idéias, isso acontece muito comigo em blogs como da Cristina Lobo, Augusto Nunes e por aí vai, contrariou é excluído.
Ah, quer saber de onde é os dados do número de servidores públicos menor que muitos países? Então lá vai:
http://oglobo.globo.com/pais/mat/2009/03/30/ipea-brasil-tem-menos-funcionarios-publicos-do-que-os-estados-unidos-755061888.asp

 
At 8:57 AM, Blogger tunico said...

Ex-Petista, o Coronel(coturno noturno) teve a iniciativa de criar uma rede de blogs de oposição para combater a DilMal e petralhada. Convido você e os seus comentaristas amigos que têm blog, a participar da rede.Em 2 dias já somos 100 blogueiros. Para tal, é só ir ao blog e na área de comentários, colocar o link do seu blog e o email de contato.Seu testemunho é muito importante!

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