O país condenado a morrer de solidão
Por Augusto Nunes
Um assassino patológico, um mitômano de alta periculosidade, um terrorista em recesso e um apóstolo da violência só podem ser vistos juntos em dois lugares: o refeitório de um presídio de segurança máxima e o plenário da ONU. Na cadeia, estariam chefiando celas, alas ou pavilhões. Em liberdade, chefiam países.
O prontuário do sudanês Omar al-Bashir inclui o medonho genocídio na região de Darfur. O coreano atômico Kim Jong-Il aprende a usar armamentos modernos disparando mísseis de verdade na direção do Japão. O líbio Muamar Kadafi tenta livrar-se da mania de derrubar governos vizinhos e aviões de passageiros. O iraniano Mahmoud Ahmadinejad sonha produzir com bombas nucleares o Holocausto que jura ter existido apenas na imaginação de ianques e judeus.
Todos controlam países com representação na ONU, e o clube dispensa à turma das cavernas o mesmo tratamento que contempla o maior dos estadistas. Todos são sócios da "comunidade internacional", codinome que o mundo inscreve no crachá quando aparece por lá. O mosaico é de tal forma assimétrico que, até segunda-feira, ninguém falara em nome da comunidade internacional. Primeiro porta-voz do mundo, o presidente Lula estreou com o aviso de que um país foi condenado à morte por solidão.
Até que Manuel Zelaya reassuma a Presidência, informou, o clube que aceita qualquer um não admitirá a entrada de representantes de Honduras. Chega de golpes de estado, comunicou ao plenário atulhado de liberticidas que não distinguem uma urna de um armário, só concedem aos governados o direito de concordar e acham que a liberdade é o nome de uma estátua em Nova York. Surpreendida pela dureza da sentença, a plateia planetária ficou perplexa com os aplausos que a endossaram. Como o embaixador nomeado pelo governo provisório foi expulso há dez dias, nenhum dos presentes discordou da condenação emitida sem que o acusado pudesse defender-se. Depois de ouvir Zelaya, o tribunal considerou dispensável o depoimento do presidente interino Roberto Micheletti e encerrou o caso.
Antes de propor que a agressão sofrida pela democracia em Honduras fosse revidada com sanções econômicas ainda mais duras, Lula pediu aos Estados Unidos que suspendessem as sanções impostas a Cuba, gerenciada pela mais antiga ditadura do mundo. Depois de reiterar que a crise hondurenha pode transformar a América Latina em zona conflagrada, Lula festejou a confirmação da visita ao Brasil do iraniano Ahmadinejad, que a cada meia hora acaricia a ideia de começar a III Guerra Mundial amputando do mapa o território de Israel.
Admita-se que a deposição de Zelaya tenha configurado um golpe de estado. Ainda assim, quem enxerga as coisas como as coisas são não consegue enxergar em Honduras uma ditadura, nem mesmo um governo autoritário. Nenhum ministro, parente, amigo, vizinho ou simpatizante de Zelaya dormiu na cadeia. Não houve restrições às liberdades democráticas, os partidos agem sem mordaças. Mais importante que tudo, permaneceu intocado o calendário eleitoral.
Urnas sempre foram encaradas pela ONU como o escape perfeito para becos aparentemente sem saída. No Afeganistão atormentado pela guerra, por exemplo, os observadores internacionais enxergaram nas filas a caminho das urnas o triunfo do voto sobre o medo instilado por ameaças de atentados terroristas. Pois a ONU decidiu que Honduras oferece mais perigos que o Afeganistão. E resolveu chamar de volta os fiscais encarregados de acompanhar as eleições de novembro.
Ao impedir que a nação proscrita chegue sem maiores sobressaltos à paz pelo caminho que percorreu sob tiros, a ONU optou pelo conflito. Era o que faltava para que os homens sensatos fossem assaltados por dúvidas semelhantes às que perturbaram os argentinos que viram com nitidez quem era Juan Perón, ou os alemães que contemplaram de olhos abertos a ascensão do nazismo. Epidemias de insensatez são antigas como a humanidade. Mas nenhuma pareceu capaz de contagiar a ONU inteira.
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